Na Trilha: Retrospectiva 2016 – Parte 1


As Melhores Trilhas Sonoras de 2016 

2016 foi um ano agitado, na política, no cinema, e também no mundo das trilhas sonoras. Tivemos grandes trilhas de compositores consagrados e de novatos, surpresas e decepções, a reafirmação de novos talentos e a confirmação de que os mais experientes ainda tem muitas surpresas guardadas na manga.

Foi também o ano dos super-heróis, que faturaram gordas bilheterias no mundo todo, mas, infelizmente, decepcionaram na parte musical, com a única exceção sendo a surpreendente trilha de Michael Giacchino para Doutor Estranho (Doctor Strange, 2016). Aliás, Giacchino teve mais uma grande temporada, ao escrever as trilhas de alguns dos principais blockbusters de 2016, e por enfrentar o maior desafio de sua carreira ao aceitar trabalhar em Rogue One: Uma História Star Wars (Rogue One: A Star Wars Story, 2016), uma tarefa tornada duplamente impossível pelo curto tempo para cumpri-la e por ser o primeiro filme live action da saga espacial lançado nos cinemas não musicado por John Williams. Graças ao talento do sujeito, o resultado foi muito bom, embora não tenha superado o de outro colega que se arriscou em outra franquia marcada pelos icônicos temas do maestro: com Animais Fantásticos e Onde Habitam (Fantastic Beasts and Where to Find Them, 2016), James Newton Howard mostrou (mais uma vez) porque é um dos melhores compositores trabalhando em filmes de fantasia na atualidade. O próprio Williams, por sua vez, retomou sua parceria com Steven Spielberg na mágica (ainda que, estranhamente, pouco discutida) trilha de O Bom Gigante Amigo (The BFG, 2016).

O trágico falecimento de James Horner completará dois anos no próximo dia 22 de junho, e sua ausência foi sentida ao longo de todo o ano anterior. Diversos trabalhos póstumos foram lançados, como a obra Collage e a trilha do documentário Living in the Age of Airplanes, enquanto sua equipe, encabeçada por Simon Franglen, trabalhou para completar seu score para o remake Sete Homens e Um Destino (The Magnificent Seven, 2016). Embora o resultado provavelmente não tenha sido tão bom quanto o que o próprio Horner atingiria se estivesse vivo, ainda foi um tributo digno à memória do maestro. Por outro lado, sua prematura morte impediu que ele trabalhasse em filmes promissores, como a fantasia de ação A Grande Muralha (The Great Wall, 2016) e sua esperada reunião com o diretor Mel Gibson em Até o Último Homem (Hacksaw Ridge, 2016), que acabaram caindo no colo de Ramin Djawadi e Rupert Gregson-Williams, respectivamente.

Nas telinhas, Ramin Djawadi causou sensação com sua trilha para a sexta temporada de Game of Thrones (com destaque para seu ótimo score para The Winds of Winter, o episódio que encerrou o ano), e também para a primeira de Westworld. Abel Korzeniowski despediu-se de Penny Dreadful mantendo a qualidade de sua música e, depois de muito atraso, finalmente lançou em disco os scores da segunda e da terceira temporada do drama gótico. Entre as minisséries e telefilmes, não podemos esquecer dos trabalhos de Victor Reyes para The Night Manager e do de James Newton Howard para Até o Fim (All the Way, 2016). Porém, de longe, a trilha televisiva mais comentada do ano foram os scores de Kyle Dixon e Michael Stein para a série sensação Stranger Things. A dupla compôs uma trilha totalmente eletrônica que servia como uma apropriada homenagem aos trabalhos de compositores como John Carpenter, Giorgio Moroder e Harold Faltermeyer, entre outros, para filmes dos anos 1980, a época em que a série se passa.

O hit da Netflix pode ter sido o maior expoente da nostalgia dos anos 1980 que atingiu o seu clímax em 2016, mas certamente não foi o único. Diversos scores prestaram homenagem às trilhas eletrônicas que marcaram aquela época, variando da comédia biográfica Voando Alto (Eddie the Eagle, 2016) ao sucesso neozelandês A Incrível Aventura de Rick Baker (Hunt for the Wilderpeople, 2016).

2016 também foi o ano dos musicais, que retornaram com força total aos cinemas, através de filmes como Moana: Um Mar de Aventuras (Moana, 2016) e o drama romântico La La Land: Cantando Estações (La La Land, 2016). A animação da Disney foi conduzida pelas ótimas canções do trio Lin-Manuel Miranda, Opetaia Foa’i e Mark Mancina, enquanto o premiado longa estrelado por Ryan Gosling e Emma Stone contou com as músicas de Justin Hurwitz, Benj Pasek e Justin Paul.

Entre outras histórias marcantes do ano, tivemos John Debney e sua grandiosa homenagem à sua própria infância em Mogli: O Menino Lobo (The Jungle Book, 2016); Marco Beltrami entregando uma das melhores e mais divertidas trilhas de sua carreira em Deuses do Egito (Gods of Egypt, 2016); John Powell deixando os filmes familiares de lado e voltando aos longas de ação em Jason Bourne (idem, 2016); e Alexandre Desplat superando seus já altíssimos padrões com a excelente A Luz Entre os Oceanos (The Light Between The Oceans, 2016).

Se você é do tipo que prefere os clássicos da Música de Cinema, não teve do que reclamar no ano passado. As gravadoras seguiram firmes e fortes no lucrativo negócio das versões de luxo de grandes trilhas do passado, incluindo A Profecia (The Omen, 1976), Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros (Jurassic Park, 1993) e sua continuação, Chinatown (idem, 1974), Os Dez Mandamentos (The Ten Commandments, 1956), O Ladrão de Bagdá (The Thief of Bagdad, 1940), entre muitas outras. Mesmo trilhas clássicas da televisão não foram esquecidas, através do lançamento de luxuosos boxes com as músicas de séries como Star Trek, Jonny Quest (!) e Arquivo X.

Assim, em meio a tanta agitação, é sempre bom olhar para trás e ver quais foram as melhores trilhas que o ano que se passou teve a nos oferecer. Abaixo, a minha lista pessoal, que traz dramas, aventuras, fantasias e muita emoção:

10 – Doutor Estranho – Michael Giacchino

Foi uma escolha difícil entre os três scores do ano de Giacchino para os gêneros de ficção científica e fantasia. Mas, embora Star Trek Sem Fronteiras (Star Trek Beyond, 2016) mantenha o padrão de qualidade que o ítalo-americano estabeleceu para o reboot da saga, e Rogue One tenha sido extremamente bem sucedido mesmo sob tamanha pressão, minha escolha pessoal vai para a surpreendente trilha do músico com o herói místico da Marvel. Ele não apenas compôs melodias heroicas e grandiosas como as que um blockbuster do tipo pede, mas também manteve-se fiel às origens do Doutor Estranho, com instrumentações exóticas, e breves acenos ao rock progressivo e psicodélico, que, nos anos 1960 e 1970, foi tão inspirado pelo fascínio ocidental com os misticismos do Oriente quanto Stan Lee e Steve Ditko, os criadores do herói.

Num ano onde as trilhas para longas baseados em quadrinhos sofreram pesadas críticas por serem repetitivas e esquecíveis, Giacchino mostrou que há lugar sim para scores criativos e inteligentes em filmes do tipo. Resta saber se os outros músicos trabalhando para a Marvel e a DC saberão seguir este padrão.

9 – Deuses do Egito – Marco Beltrami

Criticado por trazer apenas atores brancos interpretando personagens egípcios, e tornado motivo de piada na internet desde antes de sua estreia, Deuses do Egito foi um dos maiores fracassos de 2016 – mais um para a carreira de Marco Beltrami, que tem acumulado fiascos nos últimos anos. Ainda assim, o compositor não se deixou abater e escreveu uma grandiosa trilha de fantasia, com tudo a que tem direito: orquestra e coral grandiosos, ação e aventura excitantes, a clássica música hollywoodiana “de deserto” popularizada por Jarre e seu Lawrence da Arábia (Lawrence of Arabia, 2016), e, claro, um ótimo tema romântico para conduzir a história dos amantes Bek e Zaya.

Embora tenha ficado tantas vezes preso a filmes que pediam música mais agressiva, dura e dissonante, é bom ver que Beltrami aproveitou a ótima oportunidade para escrever um trabalho que o deixasse livre para escrever música orquestral excitante, repleta de aventura e fantasia.

8 – Kubo e as Cordas Mágicas – Dario Marianelli

Num ano recheado de ótimas trilhas para animações, é curioso ver que a melhor e mais bonita delas tenha vindo desta tocante animação em stop motion dos estúdios Laika. Tal como o filme pede, Marianelli combina orquestra e instrumentos japoneses, para criar uma trilha repleta de aventura, mistério, mas também drama e emoção. Afinal, Kubo não apenas é uma história de fantasia baseada na mitologia do Japão, mas também é um belo conto sobre amor, perda e luto e, nesse sentido, a trilha de Marianelli desempenha um papel fundamental para que sintamos o mesmo que os personagens.

7 – Rua Cloverfield 10 – Bear McCreary

A mais impressionante trilha de horror e suspense do ano é este trabalho de McCreary. Claramente influenciado por Herrmann e seu seminal Psicose (Psycho, 1960), o compositor retrata a pavorosa situação no bunker do sinistro Howard (John Goodman) de forma envolvente, ao combinar sua orquestra com instrumentos como o famoso blaster beam (um velho conhecido dos fãs de Goldsmith e seus trabalhos na série Star Trek) e o turco yaylı tambur. Sob a batuta de McCreary, a tensão cresce cada vez mais, até explodir nos últimos 15 minutos do disco, com algumas das mais vigorosas e enérgicas melodias de ação do ano.

Rua Cloverfield 10 é (de longe) o melhor trabalho de McCreary para o cinema. Seria ótimo se esta trilha lhe abrisse novas portas na telona – isso se, claro, sua ocupadíssima agenda na televisão o permitir.

6 – The Monkey King 2 – Christopher Young

Tantas vezes subvalorizado em Hollywood, Young encontrou um campo fértil para trabalhar nos blockbusters chineses. Continuação do longa de 2014, em The Monkey King 2 Young exercita sua enorme criatividade, de uma forma em que, talvez, não lhe fosse permitida em Hollywood. Ele combina o poder da Orquestra Nacional Sinfônica Eslovaca e do Coral Lucnica, com instrumentos típicos da China, além de guitarras para as faixas de ação, sua própria voz processada eletronicamente para os momentos de maior terror e mistério, orquestrações mais brincalhonas para as cenas de comédia, entre vários outros elementos, que tornam esta uma das mais interessantes trilhas de fantasia do ano. Além disso, o encerramento do score, composto pelas faixas Bailongma, The White Dragon Horse e Sun Wukong, The Monkey King, é simplesmente sublime.

5 – Mogli: O Menino Lobo – John Debney

Há mais de cinquenta anos atrás, um garotinho de nome John Debney passeava pelos estúdios Disney na companhia de seu pai, funcionário da empresa, enquanto conhecia o próprio Walt em pessoa, assistia aos irmãos Robert e Richard Sherman trabalharem em suas canções, e brincava com Bruce Reitherman, o dublador de Mogli na animação sessentista. Décadas depois, o agora adulto Debney pôde produzir sua própria homenagem à essas memórias de infância, no remake (relativamente) em live action da história do “filhote de homem” Mogli e suas aventuras nas selvas da Índia. Assim, Debney também tratou um longa como um verdadeiro épico de aventura, com claras influências de Goldsmith e Barry. Além disso, a apropriação feita pelo compositor das clássicas canções da animação, de uma heroica variação de The Bare Necessities ao final a uma sinistra versão orquestral de Trust in Me, passando pelo uso de I Wanna Be Like You como um motivo de ação, é particularmente excelente.

Por fim, seu próprio tema para Mogli é lindo, e dá origem a alguns dos momentos mais emocionais ouvidos numa trilha hollywoodiana no ano passado, em especial no maravilhoso encerramento do score, composto pelas faixas Elephant Waterfall, Mowgli Wins the Race e The Jungle Book Closes. Uma homenagem mais do que digna a uma das mais queridas animações da Casa do Mickey.

4 – Sete Minutos Depois da Meia Noite – Fernando Velázquez

Falando em emoção, isto é algo que tem de sobra neste lindo trabalho de Velázquez – assim como horror e pitadas de aventura para temperar esta fantasia sombria. O compositor espanhol já havia estabelecido uma ótima parceria com o diretor J.A. Bayona, para quem já escreveu dois de seus melhores scores, O Orfanato (El Orfanato, 2008) e O Impossível (Lo Imposible, 2012). Felizmente, esta qualidade se mantém em Sete Minutos Depois da Meia Noite (A Monster Calls, 2016), um dos mais tocantes trabalhos da dupla. A trilha de Velázquez possui uma beleza sombria e melancólica para contar a história de um garoto que, com a morte de sua mãe terminalmente doente e sofrendo bullying na escola, encontra uma forma de lidar com a situação ao encontrar uma criatura misteriosa. E, embora sua trilha traga muitos momentos de puro horror (outra especialidade do músico), é ao final do score que Velázquez não teme o melodrama e compõe algumas das mais emocionantes melodias ouvidas em 2016.

Com o score de Sete Minutos Depois da Meia-Noite, Velázquez ganhou o Goya (o Oscar do cinema espanhol) de Melhor Trilha Original, o primeiro de sua carreira. Um merecido prêmio para o mais talentoso dos compositores a liderar a atual “invasão espanhola” na Música de Cinema.

3 – Animais Noturnos – Abel Korzeniowski

É tão bom quando um compositor talentoso usa sua criatividade para expressar as diferentes facetas de personagens complexos, não concordam? No drama de suspense Animais Noturnos (Nocturnal Animals, 2016), o excelente músico polonês Abel Korzeniowski precisou retratar musicalmente os diversos subtextos do longa, e foi admiravelmente bem sucedido, tanto ao compor para a trama principal do filme, protagonizada pela galerista Susan (Amy Adams), quanto para a história do livro de seu ex-marido que ela lê. Ademais, a altamente expressiva trilha do compositor é um daqueles casos onde a música ajuda a elevar um longa, torná-lo melhor do que poderia ser sem ela, mesmo que sua duração total (pouco mais de meia hora) não represente nem metade do tempo de projeção do longa. E isto se torna particularmente evidente tanto na muito discutida montagem de abertura (acompanhada pelo excelente tema principal, Wayward Sisters) quanto na impactante e devastadora cena final.

2016 foi um bom ano para Korzeniowski, que, além deste score, também encerrou sua jornada na série Penny Dreadful com chave de ouro. Tristemente preterida no Oscar (o BAFTA lhe deu um pouco mais de reconhecimento), a trilha de Animais Noturnos coroa Korzeniowski como uma das melhores vozes a surgir nos últimos anos.

2 – A Luz Entre Oceanos – Alexandre Desplat´

À primeira vista, A Luz Entre Oceanos poderia parecer apenas mais um drama de época para a imensa coleção de longas do gênero na carreira de Alexandre Desplat, e um dos diversos filmes independentes que ele costuma fazer entre um e outro blockbuster. Poucos esperariam, porém, que com este longa ele teria a oportunidade de escrever uma das melhores trilhas do ano, um belíssimo trabalho dramático que pode muito bem figurar entre os mais tocantes de sua carreira. Com sua trilha, Desplat captura perfeitamente o amplo espectro de emoções do filme: o amor entre os protagonistas interpretados por Michael Fassbender e Alicia Vikander, a tristeza e os sentimentos conflituosos quando a dupla toma uma decisão que impactará a vida de muitas pessoas por muitos anos, sua dor e melancolia quando segredos obscuros do passado são trazidos à tona, entre outros.

Ainda que tenha sido lançada apenas em setembro, esta trilha certamente foi a mais reprisada por mim ao longo do ano. Isto porque, mesmo em disco, afastada das imagens, ela ainda traz diversas faixas da mais alta qualidade, variando das mais pacíficas e alegres (In God’s Hands, Lucy-Grace) às mais sombrias e dramáticas (To Resent, The Return, Hannah Roennfeldt), passando pela poderosa A Wonderful Father, rumo a um belo encerramento, nos últimos cues. Enfim, o tipo de trilha que raramente vemos hoje em dia, que consegue ser perfeitamente adequada ao longa e representar seus personagens, mas ainda trazer uma audição interessante quando longe dele.

1 – Animais Fantásticos e Onde Habitam – James Newton Howard

Ao longo de 2016, nenhuma trilha me impressionou mais do que a de Animais Fantásticos e Onde Habitam. O novo capítulo das histórias ambientadas no mundo mágico criado por J.K. Rowling manteve o alto padrão de qualidade musical da saga ao cair no colo de Howard, um dos maiores especialistas em filmes de fantasia da atualidade. O compositor, ao mesmo tempo em que honra o legado musical estabelecido por John Williams desde os primórdios da saga, agora dá a sua própria contribuição com seus próprios temas, incluindo nada menos que três dedicados ao novo protagonista Newt Scamander.

Trata-se de um complexo trabalho dedicado a retratar as diversas facetas do longa. A música traz momentos de pura fantasia e magia, mas também o típico jazz vintage muito populares na época em que a história se passa. Temos desde música mais doce para o nascente romance entre o quarteto de protagonistas até orquestrações opressivas para os Obscurus, o principal mistério da trama. Os animais fantásticos do título tem sua amizade com Newt retratada com delicadeza, mas também nobreza em seus momentos de heroísmo. Enfim, há romance, mistério, magia e aventura – mas nada disso funcionaria, porém, se os temas da trilha não fossem de qualidade. Felizmente, não é o que ocorre. Howard constrói para a recém-criada franquia uma sólida base temática, com grande potencial para ser explorada e expandida no futuro.

E para você, quais foram as melhores trilhas do ano passado? Comente logo aí embaixo!

Tiago Rangel

Um comentário sobre “Na Trilha: Retrospectiva 2016 – Parte 1

  1. Pingback: Resenha de Trilha Sonora: LION – Dustin O’Halloran, Hauschka | ScoreTrack.net

Deixe um comentário