Resenha: GODZILLA – Alexandre Desplat (Trilha Sonora)


Godzilla_CDMúsica composta por Alexandre Desplat
SeloWaterTower Music
Catálogo: WTM 39519
Lançamento: 13/05/2014
Cotação: ****½

Ainda que tenha feito alguns blockbusters ao longo de sua carreira, Alexandre Desplat nunca havia composto para nada como um filme sobre monstros gigantes. Apesar disso, ele de fato foi uma escolha ousada e inteligente para Godzilla, novo longa norte-americano sobre o famoso monstro gigante japonês. Desplat sabe conduzir uma grande orquestra, compor temas fortes e trabalhá-los de maneira hábil, mais ou menos como John Williams, a principal referência do compositor francês em suas trilhas para filmes de ação e aventura.

Devo admitir que não conheço praticamente nada da música anteriormente composta para os filmes japoneses do monstro por Akira Ifukube, por isso não posso dizer se ela foi uma inspiração para Desplat. Entretanto, considero o score do Godzilla de 1998 um dos melhores trabalhos de David Arnold, com um bom tema para a criatura e ótimas faixas de ação, com um inteligente uso dos metais. A trilha de Desplat, entretanto, difere da de Arnold, pois o trabalho do primeiro tem maior ênfase no drama do que no do segundo. Em um aspecto, entretanto, os dois scores são parecidos: ambos são massivos, enormes, assim como o personagem-título de seus filmes.

Desplat, conhecido por ser um inteligente compositor para orquestra, extrai dos músicos da Hollywood Studio Symphony um excelente desempenho. Sua partitura para Godzilla é complexa, intrincada e bem trabalhada ao manter um clima de constante perigo, e exige da orquestra uma interpretação à altura. Em termos de tamanho, pode-se dizer que Desplat não havia produzido nada do tipo, com exceção de sua música para a sequência da luta dos ursos em A Bússola de Ouro, que parece ter sido uma referência para o compositor.

O tema do monstro é logo apresentado na primeira faixa. Ele se inicia de forma sutil, com trompetes sugerindo a ameaça da criatura, até a entrada das trompas que, acompanhadas por tensos violinos, se destacam com uma “monstruosa” melodia. É um típico tema de filmes de monstros, ou seja, grande destaque para os metais que sugerem seu gigantesco tamanho, capaz de esmagar cidades inteiras. Não há nenhuma novidade aqui, com exceção de que Desplat não deixa de utilizar seu próprio estilo musical ao invés de simplesmente produzir uma cópia do trabalho de outros compositores.

As faixas seguintes, proeminentemente, são repletas de ação e tensão. Seria de se esperar que Desplat fosse se focar mais no suspense, ao início do disco, preparando o terreno para o que vem depois. Entretanto, o músico já começa o álbum com o pé no acelerador e, embora haja instantes mais atmosféricos, onde a tensão é proeminente (como em Inside the Mines e To Q Zone), a maior parte da música é repleta de ação. Bons exemplos são The Power Plant, que se inicia enérgica e finaliza com um belo tema dramático (que será reaproveitado em Back to Janjira, e, aparentemente, serve para representar o drama dos personagens humanos protagonistas) e a ótima Muto Hatch, que permite a Desplat entregar algumas de suas composições mais complexas para os metais, que executam notas rápidas em staccato. Lembra um pouco o estilo de Don Davis, porém de forma mais selvagem, menos melodiosa.

A tensão continua predominante em In the Jungle, faixa de ação onde se destacam a interpretação dos violinos, violas e madeiras, bem como na igualmente brilhante The Wave, onde o horror dos pobres humanos fica evidente, enquanto a orquestra descreve musicalmente o desespero da situação. Uma crítica negativa, entretanto, vai para a participação do coral, que, de tão discreto, quase nem dá para notar. Infelizmente, Desplat nunca foi um escritor muito criativo para o coro, que aqui se limita a se esconder por detrás do poder da orquestra. Talvez fosse melhor eliminá-lo por completo ou trazer arranjos que destacassem melhor o coral.

Na sequência, Airport Attack continua a mostrar a orquestra em total poder. A faixa finaliza com uma passagem que ao menos resolve parcialmente o problema do coral. Nessa passagem, as vozes não executam uma melodia em si, mas sim fazem barulhos que, entre “ooohhhs” e “iiihhhs”, evocam o terror dos humanos diante do gigantesco animal. É uma ideia que funciona bem no contexto e que soa curiosa na filmografia de Desplat. A faixa seguinte, Missing Spore, inicia com uma interessante variação do tema de Godzilla, mais calma e repleta de suspense interpretada pelas cordas, antes de se converter numa passagem nobre a cargo de trompete, que deve representar os militares do filme. Mas esse respiro dura pouco, e logo a faixa retorna aos ritmos de ação.

Após a tensa Vegas Aftermath, segue a boa Ford Rescued, que traz um crescendo dramático a cargo de toda a orquestra. Em seguida, vem a grandiosa Following Godzilla, que lembra um pouco o trabalho de Desplat nas duas partes de Harry Potter e as Relíquias da Morte. Todas essas faixas servem como preparação para o massivo clímax do álbum, que se inicia com Golden Gate Chaos, onde novamente a ótima orquestração do compositor se faz presente. A forma como Desplat utiliza a percussão e a orquestra nesta faixa remete aos trabalhos mais recentes de James Horner, como Avatar e O Espetacular Homem-Aranha.

O clímax prossegue com Let Them Fight, que traz violinos tensos e metais que descrevem o horror da situação, e Entering the Nest, faixa de ação que se destaca pela complexidade da escrita do compositor. Em Two Against One, a música é variada, e muda a todo instante acompanhando o confronto entre monstros, surpreendendo o ouvinte. Esse ritmo prossegue na enérgica Last Shot, na qual se destacam os metais e a percussão, e a tensão segue crescendo enquanto a música prossegue, até chegar a um final repleto de suspense. É uma das melhores faixas do disco.

Para finalizar o álbum, temos primeiramente Godzilla’s Victory, que inicia de forma grandiosa, com toda a orquestra, e termina com violinos e piano agudos, de maneira melancólica e atmosférica. A última faixa é Back to the Ocean, onde o brilhantismo de Desplat fica evidente ao retrabalhar o tema de Godzilla de uma maneira mais suave, mas sem deixar de conter certa ameaça, algo indicando a posição dúbia do monstro diante da humanidade. Assim, a trilha encerra-se de maneira grandiosa e, na falta de uma palavra melhor, épica.

Quem ouvir o álbum irá notar que alguns elementos de sua orquestração são incomuns na música de Desplat. O primeiro são instrumentos japoneses, como o shakuhachi (uma espécie de flauta) e o taiko (um instrumento de percussão). A participação do primeiro pode ser destacada em faixas como Back to Janjra e Ford Rescued, entre outras, enquanto o segundo é destaque em quase todas as faixas de ação, ajudando a dar maior grandiosidade à música. Esses instrumentos evocam as origens nipônicas da criatura, ao mesmo tempo em que referenciam o personagem deste país do filme, interpretado por Ken Watanabe. O segundo elemento é um sintetizador, que aparece aqui e ali, como nos inícios de Muto Hatch e In the Jungle, bem como em Vegas Aftermath. Essa inclusão de elementos eletrônicos soa curiosa dentro da filmografia do músico, já que Desplat é um compositor primariamente orquestral, mas eles não chegam a comprometer o score.

Esta partitura é mais um ótimo trabalho de Alexandre Desplat, que vem provando ser um compositor cada vez mais talentoso, e uma das vozes mais criativas da atual música de cinema. Um álbum imperdível para todos aqueles que amam música forte, enérgica, com uma orquestração poderosa e inteligente.

Faixas:

1. Godzilla! 2:08
2. Inside the Mines 2:25
3. The Power Plant 5:49
4. To Q Zone 2:55
5. Back to Janjira 5:59
6. Muto Hatch 3:13
7. In the Jungle 1:59
8. The Wave 3:04
9. Airport Attack 1:47
10. Missing Spore 3:57
11. Vegas Aftermath 3:22
12. Ford Rescued 1:23
13. Following Godzilla 2:01
14. Golden Gate Chaos 2:51
15. Let Them Fight 1:38
16. Entering the Nest 3:01
17. Two Against One 4:15
18. Last Shot 1:58
19. Godzilla’s Victory 3:02
20. Back to the Ocean 3:40

Duração: 60:11

Tiago Rangel

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34 comentários sobre “Resenha: GODZILLA – Alexandre Desplat (Trilha Sonora)

  1. Quando Alexandre Desplat foi contratado para este filme, fiquei bastante cético. Afinal de contas, Desplat tem pouca experiencia com blockbusters. Eu achava que, depois de Roar!, Michael Giacchino seria chamado para fazer isso… Que bom que eu estava enganado! Fui surpreendido ao ouvir este trabalho do Desplat. Não tenho nada a acrescentar, e concordo com todos os pontos do Tiago.

    Depois daquela experiencia sofrível com a trilha de TASM II, foi muito bom dar aos meus ouvidos uma obra sinfonica de qualidade.

    E um score já foi. Agora faltam os de X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido, Dawn of the Planet of the Apes, e Jupiter Ascending.

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    • Por bastantes meses o nome do Giacchino estava listado como compositor do filme, no IMDB. Talvez ele tenha sido a primeira escolha do diretor e tenha tido algum conflito de agenda ou coisa parecida. Acho melhor como ficou. O Giacchino teria a difícil tarefa de criar algo que não ficasse a sombra de Cloverfield, e todos sabemos que as comparações existiriam

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    • Giacchino terá sua nova experiência em filmes de monstro com JURASSIC WORLD, onde de lambuja também já irá treinando para eventualmente assumir a batuta de John Williams nos novos Star Wars da Bad Robot. Quanto à trilha de X-Men – Dias de Un Futuro Esquecido, do John Ottman, a resenha já está no prelo. Em uma primeira audição parece inferior a X-Men 2, também dele, mas o resenhista Tiago fará uma análise mais apropriada.

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      • kkkkkkk agourando o pobre do John Williams? kkkk (brincadeira). // Aguardando ansioso, mas já não tão otimista, a trilha e a resenha de X-Men Dias de um Futuro Esquecido. Parece que este ano os compositores não estão aproveitando os ótimos projetos em que estão trabalhando (com exceção do Desplat até agora). Espero que em 2015 (que vai ser mágico para o cinema blockbuster) tenhamos grandes obras. Há dez anos tivemos trilhas como Os Incríveis, O Aviador, A Vila, O Castelo Animado, O Terminal, Em Busca da Terra do Nunca, entre tantas outras, e até Tróia, do Yared, embora rejeitada. Estava esperando esse ano de 2014 de uma forma meio supersticiosa kkk, mas ainda tem muita coisa pela frente!

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  2. Ah sem duvida. Mas eu acho Giacchino criativo o suficiente, para fazer algo que diferisse de Roar!. Não mudaria o que Desplat fez, pelo contrario. Fiquei satisfeito com seu trabalho e, embora tenha duvidado dele, ele acertou em cheio neste filme.

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  3. Excelente resenha para uma trilha mais excelente ainda. Provou que um bom compositor se sai bem em qualquer gênero.

    Agora que o score já foi lançado, essa a minha lista dos que mais estou aguardando:

    X-Men: Days of Future Past

    How to Train Your Dragon 2

    Dawn of the Planet of the Apes

    Jupiter Ascending

    Interstellar

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  4. Gosto muito da trilha sonora que David Arnold compôs para o Godzilla de 1998, mas Alexandre Desplat também é um excelente compositor e depois de ler essa ótima resenha fiquei ainda mais ansioso para escutar a trilha sonora.

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  7. Só a cargo de informação: O site Omelete, um dos maiores sites do Brasil com conteúdo sobre cinema, publicou uma notícia informando que a Warner e a Legendary confirmaram a sequência do filme, após a boa bilheteria de estreia. e o diretor Gareth Edwards deve retornar como diretor.

    É possível então que Desplat volte para o seu posto de compositor e acabe tendo uma franquia de filmes do monstro nas mãos, seria muito bom. Torçamos, pois o filme não vai muito bem de críticas, apesar de ser quase unânime pelo menos uma linha reconhecendo a qualidade de Alexandre Desplat na música do filme.

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  19. Quando penso nesse filme e na trilha sonora, de imediato me vem à memória a cena final, que para mim foi a mais impactante, um misto de otimismo com assombro, mostrando o Godzilla enquanto uma “força da natureza” e não um exterminador de seres humanos. Nessa cena, com a faixa “Back to the ocean”, Desplat realmente fez algo épico, como bem escreveu o Tiago.

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