Resenha: JUPITER ASCENDING – Michael Giacchino (Trilha Sonora)


JA_CDMúsica composta por Michael Giacchino
Selo: Water Tower Music
Catálogo: WTM5009814
Lançamento: 03/02/2015
Cotaçãostar_4_5

Os filmes dos irmãos Andy e Lana Wachowski costumam ser interessantes do ponto de vista musical. Para seu trabalho que os catapultou para a fama, a trilogia Matrix, Don Davis compôs um dos scores mais grandiosos e marcantes do final dos anos 1990 e início dos anos 2000. Já A Viagem (Cloud Atlas, 2012) contou com uma bela trilha indicada ao Globo de Ouro de Tom Tykwer (que também co-dirigiu o filme), Johnny Klimek e Reinhold Heil. Para seu novo filme, O Destino de Júpiter (Jupiter Ascending, 2015), os irmãos chamaram de volta Michael Giacchino, com quem já haviam colaborado na divertida trilha de Speed Racer (idem, 2008), que casava perfeitamente com o ultra-colorido e animado filme dos irmãos.

O longa conta a história de uma limpadora de banheiros, interpretada por Mila Kunis, que descobre ter a assinatura genética da família mais poderosa do universo e, por conta disso, é caçada por assassinos espaciais, sendo protegida por um guerreiro (Channing Tatum), que a informa de seu destino. Giacchino, que nos últimos tempos praticamente virou um especialista em filmes de ficção científica, parecia uma escolha óbvia para o longa. Mesmo assim, a música foi composta de uma maneira diferente (ainda que não muito incomum): ela foi toda escrita e gravada antes mesmo de começarem as filmagens.

Aparentemente esta estratégia, muito utilizada por cineastas como, por exemplo, Terrence Malick, foi apresentada aos irmãos em A Viagem por Tom Tykwer, que a tem utilizado desde o início de sua carreira. Giacchino, por sua vez, disse que compor para o filme sem vê-lo lhe deu uma liberdade sem precedentes do que fazer com sua música, sem estar preso a questões de timing, por exemplo. Um tweet do compositor revelou que, em junho de 2013, o renomado maestro alemão Ludwig Wicki regia a trilha sonora nos estúdios Abbey Road, em Londres, – o que também é incomum, já que Giacchino sempre gravou seus scores nos Estados Unidos, sob a batuta de Tim Simonec.

Talvez por ter tido mais liberdade, talvez por ter usado uma equipe diferente, essa é a primeira trilha de Giacchino que soa realmente massiva. Claro, ele já tinha feito trilhas grandiosas antes, e boa parte de seus scores para blockbusters utilizavam coral e orquestras com mais de 100 músicos, mas O Destino de Júpiter é a primeira realmente gigantesca, enorme. Além disso, o filme busca construir um universo inteiramente novo, com sua própria mitologia, e isso rende aos compositores uma enorme tela para se pintar. Assim, Giacchino segue direitinho a cartilha de John Williams e Howard Shore e preenche esse mundo com temas que, se não são particularmente marcantes, conseguem estabelecer uma identidade musical para a nova aventura dos Wachowski.

O álbum duplo começa de maneira até incomum, com uma suíte em quatro movimentos. Isto espelha um pouco a estratégia utilizada por Christopher Young algumas vezes, de dividir a música em seus discos em faixas que agem como os movimentos de um concerto. No caso de Giacchino, ele utiliza esses movimentos para apresentar o estilo e os temas principais do score. No caso, por causa do próprio processo de composição da trilha sonora, o músico optou por compor enormes suítes, que sempre giravam em torno de uma mesma ideia central.

O primeiro movimento é um ótimo exemplo, pois é uma faixa toda estruturada ao redor de dois temas, que se repetem seja com toda a orquestra, seja na singela voz de um garoto soprano, culminando num excelente crescendo do segundo tema com trompas, cordas e coral. Já o segundo movimento traz um tema melancólico para cordas, com ocasional participação do coro. O terceiro inicia no piano, mas depois repete o mesmo tema numa heroica melodia de ação com toda a orquestra e o coral. Apesar de lembrar um pouco o trabalho do compositor nos dois Star Trek, a faixa serve como uma espécie de aperitivo para o que virá depois. Por fim, o quarto movimento reapresenta o tema da faixa anterior de maneira dramática, numa das típicas melodias tristes de Giacchino para cordas, lembrando o ótimo trabalho do músico em John Carter – Entre Dois Mundos (John Carter, 2012).

Em seguida, The House of Abrasax introduz o tema da tal família mais poderosa do universo, uma melodia que alterna entre as diferentes seções da orquestra, e é ameaçadora, escorregadia e representativa das intrigas e dos jogos políticos da tal família. I Hate My Life começa com um ostinato de cordas, acompanhada de madeiras e cresce até culminar num enorme final com orquestra e coro, enquanto Scrambled Eggs é dissonante e pesada, com trombones e percussão. Na sequência, The Abrasax Family Tree é uma longa suíte de mais de nove minutos, toda estruturada em torno do tema da maléfica família. Ele se repete ora de forma mais sutil, no piano ou com cordas e coro masculino, ora de maneira grandiosa, com metais e percussão, mas sem perder a ameaça contida em suas notas.

Em seguida, The Shadow Chase, é uma imensa faixa de ação, que está no mesmo nível das melhores do gênero já escritas por Giacchino. Em seus quase seis minutos, ela cresce, cresce, se torna mais e mais agitada e complexa, até chegar a um final arrebatador, com toda a orquestra e o coral. A faixa seguinte, The Titus Clipper, diminui um pouco o ritmo, com uma melodia romântica e calorosa para cordas e metais, com um interessante acompanhamento de madeiras e percussão, no estilo de Alexandre Desplat para O Despertar de uma Paixão (The Painted Veil, 2006), enquanto sua construção e desenvolvimento fazem par com a faixa Beyond the Forest, da trilha de O Hobbit: A Desolação de Smaug, de Howard Shore. Porém, as coisas voltam a esquentar com Mutiny on Bounty Hunter, uma brutal faixa de ação em que o destaque vai para a percussão e os metais graves. Ela tem algo do estilo mais violento que o compositor adotou no ano passado para Planeta dos Macacos – O Confronto (Dawn of the Planet of the Apes, 2014) – embora, como já foi dito, tenha sido composta e gravada antes.

One Reincarnation Under God alterna entre temas relacionados aos heróis e aos vilões, mas sempre mantendo um clima de suspense e de “contagem regressiva”, com uma complexa escrita para toda a orquestra. Em seguida, Digging Up the Flirt traz o tema romântico interpretado pela harpa, com acompanhamento de cordas. Já A Wedding Darker é uma excelente faixa, cujo estilo dramático e grandioso irá causar nostalgia nos fãs de John Barry. Na sequência, Regenex is People! traz o tema romântico interpretado de forma simultaneamente ameaçadora e melancólica, enquanto The Lies Have It parece ser uma versão mais grandiosa da música de suspense que Giacchino compôs para a série Lost (idem, 2004-2010), enquanto indica que, após esse interlúdio, a ação está prestes a voltar.

E ela volta com força total em It’s a Hellava Chase, outra ótima faixa do tipo, com orquestra e coral a toda potência. Em seguida, Dinosaur to New Heights é a mais curta do álbum, mas traz um ótimo trabalho de percussão. Family Jeopardy, por sua vez, é uma das melhores do disco: após um início a la Godzilla (idem, 2014), de Alexandre Desplat, Giacchino reapresenta os temas heroicos (num belíssimo crescendo de metais, percussão e coral) e dos vilões, como combatentes se preparando para a batalha. Até que o conflito musical finalmente acontece, numa melodia grandiosa e dramática para toda a orquestra e o coral, que em nada fica a dever para as melhores trilhas já escritas para o gênero.

Abdicate This! traz o retorno do excelente tema heroico introduzido ao final da primeira faixa, acompanhado pelo tema da Casa de Abrasax, até que, repentinamente, a faixa explode em mais uma violenta melodia de ação para orquestra e coro, tão épica quanto o título da faixa. Flying Dinosaur Fight traz uma melodia que dança entre os instrumentos de sopro, demonstrando grande complexidade na orquestração. Por fim, chegamos à Commitment, cujo belo e romântico início parece indicar que o clímax já chegou ao fim, com uma bonita interpretação do love theme. Novamente, porém, a ação toma o protagonismo, explodindo com orquestra e coral, mas desta vez há um dramatismo inerente, como uma batalha final sendo travada. E, assim como Giacchino fez antes, ele vai crescendo, se tornando mais e mais complexo, até chegar a uma conclusão absolutamente soberba. Provavelmente a melhor faixa de um disco já repleto de grandes momentos.

Antes que pensamos que acabou, ainda sobra tempo para mais um bônus track, Flying Dinosaur Fight With Guts, que parece ser uma versão ainda mais percussiva e dissonante da faixa anterior de título parecido.

O ano mal começou e já temos uma das prováveis candidatas a melhor trilha de aventura e ficção científica de 2015. Provavelmente, só ouviremos música tão grandiosa e épica para filmes desse gênero em dezembro, quando John Williams retornar à galáxia muito, muito distante que o consagrou. Além disso, ainda temos para este ano outros três scores de Michael Giacchino. Se ele mantiver a mesma qualidade mostrada aqui em todos eles, 2015 tem tudo para ser um excelente ano para o já oscarizado compositor.

Faixas:

Disco 1
1. Jupiter Ascending – 1st Movement 4:12
2. Jupiter Ascending – 2nd Movement 3:25
3. Jupiter Ascending – 3rd Movement 5:54
4. Jupiter Ascending – 4th Movement 3:26
5. The Houses Of Abrasax 2:18
6. I Hate My Life 2:07
7. Scrambled Eggs 1:08
8. The Abrasax Family Tree 9:13
9. The Shadow Chase 5:48
10. The Titus Clipper 7:04
11. Mutiny On The Bounty Hunter 4:40
12. One Reincarnation Under God 4:06

Disco 2:
1. Digging Up the Flirt 2:22
2. A Wedding Darker 6:07
3. Regenex Is People! 3:21
4. The Lies Have It 2:21
5. It’s A Hellava Chase 8:12
6. Dinosaur To New Heights 0:49
7. Family Jeopardy 5:07
8. Abdicate This! 3:28
9. Flying Dinosaur Fight 5:27
10. Commitment 9:57
11. BONUS TRACK: Flying Dinosaur Fight with Guts 2:34

Duração: 103:06

Tiago Rangel

16 comentários sobre “Resenha: JUPITER ASCENDING – Michael Giacchino (Trilha Sonora)

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  5. ” o renomado maestro alemão Ludwig Wicki regia a trilha sonora nos estúdios Abbey Road,…”

    Eu sabia que já tinha lido o nome desse maestro relacionado ao Giacchino em algum lugar. Ai lembrei que ele conduziu umas porções de Star Trek Into Darkness, junto com uma sinfonica chamada 21 Century. Significa então que, a trilha de Jupiter, fora gravada com esta orquestra?

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    • Provavelmente não, já que a 21st Century é uma orquestra baseada principalmente na Suíça, onde acontecem a maioria dos seus concertos (que também incluem as trilhas do Senhor dos Anéis), e o Destino de Jupiter foi gravado em Londres. Apesar de ter mudado de locação, ainda não foi dessa vez que Giacchino trabalhou com uma orquestra “profissional” de verdade (como a LSO), mas quem sabe quando ele for chamado pra Star Wars… (risos).

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      • Humm certo. Mas pow, a orquestra que executou essa trilha, está de parabéns! O nível é alto, digno da LSO ou LPO. Quanto à Star Wars, bem, vamos torcer para que ele assuma o próximo derivado. Se Deus quiser, John Williams irá terminar essa saga. Ele merece isso :D

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  13. Em alguns momentos a trilha remete ao trabalho do James Horner, assim como as que Giacchino escreve para os Medal of Honor, cujo o tema e algumas passagens lembram e muito Glory, de Horner. Mas isso não tira o mérito do trabalho de Giacchino, muito pelo contrário, mostra que ele é capaz de fazer melodias tão belas e transcendentais quanto o falecido maestro.

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