Resenha de Trilha Sonora: EN MAI, FAIS CE QU’IL TE PLAÎT – Ennio Morricone


en_mais_fais_ce_qu_il_te_plait_CDMúsica composta por Ennio Morricone
Selo: Quartet Records
Catálogo: Download Digital
Lançamento: 30/10/2015
Cotaçãostar_4

O drama francês En Mai, Fais Ce Qu’il Te Plaît (idem, 2015), que, numa tradução literal para o português (segundo o Google Tradutor), seria “Em Maio, Faça o que Quiser”, se passa na França, na época da Segunda Guerra Mundial, quando os habitantes de um pequeno vilarejo precisam fugir da invasão dos nazistas. Normalmente, esse seria o tipo de filme que passaria despercebido, a não ser pelos frequentadores das salas de cinema especializadas, espectadores de canais como o Telecine Cult e Arte1 ou amantes do cinema francês (ou uma combinação disso tudo). Porém, se você é fã de trilhas sonoras da mais alta qualidade, não pode deixar esse drama fugir de seu radar, pois ele possui um score verdadeiramente belo de ninguém menos que Ennio Morricone.

O maestro italiano pode ser famoso por seu trabalho lendário no cinema, que varia dos memoráveis westerns spaghetti de Sergio Leone à religiosa trilha de A Missão (The Mission, 1986), passando pelas marcantes melodias de Cinema Paradiso (Nuovo Cinema Paradiso, 1988), sem esquecer os brilhantes scores para longas tão distintos como Os Intocáveis (The Untouchables, 1987) e A Lenda do Pianista do Mar (The Legend of the 1900, 1998). Para a maioria dos compositores, isto seria mais do que o suficiente, mas não para Morricone. Sua obra completa é muito mais do que isso, e inclui filmes de todos os gêneros (e o IMDB cita mais de 500 produções que contaram com sua música), ao longo de mais de 50 anos de carreira. Trabalhar mais na Europa pode ter feito bem ao maestro: enquanto outros mestres, mais aclimatados ao sistema hollywoodiano, foram aos poucos se aposentando e se retirando dos holofotes da Música de Cinema conforme esta entrava numa nova geração (não necessariamente superior), Morricone permaneceu firme e forte, trabalhando em produções de diversos países, enquanto mantinha seu status de lenda e conduzia sua música por todo o globo. O lado ruim disso é que a maior parte de seus filmes (além de telefilmes e curtas) passaram despercebidos especialmente por nós do outro lado do Atlântico, onde tais produções são exibidas apenas em salas de cinema alternativo ou canais a cabo especializados.

Assim, apesar de En Mai, Fais Ce Qu’il Te Plaît ter recebido críticas mistas nos festivais onde foi exibido, o longa e sua trilha acabaram adentrando no radar de alguns reviewers de trilhas sonoras, mostrando que Morricone, aos 87 anos de idade (completados no último dia 10 de novembro), ainda permanece no topo da cadeia alimentar dos compositores de cinema. Seu score, mais uma vez orquestrado e regido pelo próprio compositor, possui a mesma carga dramática e os tons nostálgicos de trilhas clássicas como a citada Cinema Paradiso, Cinzas no Paraíso (Days of Heaven, 1978) e Era Uma Vez na América (Once Upon a Time in America, 1984). Ela é interpretada por uma orquestra italiana, a Roma Sinfonietta, com ênfase na seção de cordas, com leves participações dos sopros.

 A partitura possui dois temas que se destacam. O principal aparece já na ótima primeira faixa, En Mai, porém apenas após uma introdução de 3 minutos minimalista para órgão e cordas. Trata-se de uma melodia romântica, porém profundamente melancólica, refletindo que os tempos felizes estão prestes a terminar com a chegada da guerra. Provavelmente, é um dos cues mais belos e tocantes do ano. O outro tema, composto para representar a família principal do longa, é introduzido em Ils resteront trois, com uma melodia reminiscente do tema de Era Uma Vez na América, aqui completada com um órgão no acompanhamento.

A maior parte dos (relativamente poucos) cues do disco seguem esse padrão, para a alegria de quem prefere o estilo mais dramático do maestro. Tout Laisser se inicia remetendo ao cenário do filme, com gaita e acordeão, antes de uma bonita aparição do tema da família. Já Respirations traz sua triste melodia para cordas entrecortada por longas pausas, talvez para remeter, como indica o título da faixa, ao próprio ritmo da respiração humana. Na oitava faixa, Tous Ensemble, a melodia é conduzida por uma flauta e uma celesta, com acompanhamento de cordas mágicas e sonhadoras, lembrando um pouco o estilo de Morricone no love theme de Cinzas no Paraíso.

Para representar a chegada dos alemães, porém, o “correto” seria usar ritmos marciais de percussão e metais, ou orquestrações pesadas e de suspense, certo? Não aqui. Faixas como L’etau se resserre e Traverser la guerre trazem cordas tensas e um oboé de som misterioso, mas nunca com um som pesado demais. Ils arrivent, por sua vez, traz baixos de suspense, violinos “de investigação” e ligeiras participações de trompas, madeiras e percussão, mas, no geral, lembra mais algo que poderia ter saído de uma colaboração entre Alfred Hitchcock e Bernard Herrmann na década de 1950 do que um drama passado na guerra.

O melhor do disco, porém, fica para o final, mais especificamente, as duas últimas faixas. Et meme les animaux sont avec eux reprisa o tema principal e a melodia sonhadora de Tous Ensemble, enquanto A la recherche de la paix irá certamente agradar aos fãs de longa data de Morricone. Ela começa com um nobre trompete solo acompanhando o tema da família, no restante da orquestra e, na marca de 2:01, atinge seu ápice emocional, com uma bela, porém dramática performance de uma soprano solo, no estilo da saudosa Edda dell’Orso, num dos cues mais tocantes do ano.

É fascinante que Morricone ainda continue trabalhando com tanta frequência, mesmo tendo completado quase nove décadas de vida. Imagino eu que, tivesse ele se mudado em definitivo para Hollywood, teria acabado seguindo o caminho melancólico de Barry, Goldsmith e Jarre, por exemplo. Assim, é um pequeno milagre testemunhar até hoje uma lenda viva do cinema produzindo obras de qualidade, e com novos trabalhos seus para diretores como Giuseppe Tornatore, Terrence Malick e Quentin Tarantino (este, o primeiro depois de anos de namoro) chegando num futuro próximo. En mai, fais ce qu’il te plaît pode não ser tão icônica quanto os clássicos do compositor nas décadas de 1970 e 1980, mas ainda é um ótimo score, e também um dos mais bonitos de 2015. Recomendado.

Faixas:

1. En mai 8:55
2. L’étau se resserre 3:58
3. Ils resteront trois 5:05
4. Traverser la guerre 1:54
5. Tout laisser 2:50
6. Ils arrivent 3:39
7. Respirations 4:06
8. Tous ensemble 2:38
9. Et même les animaux sont avec eux 4:37
10. A la recherche de la paix 6:29

Duração total: 44:11

Tiago Rangel

2 comentários sobre “Resenha de Trilha Sonora: EN MAI, FAIS CE QU’IL TE PLAÎT – Ennio Morricone

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