Na Trilha: A Ambientação Musical de ENNIO MORRICONE


Tarso Ramos e Ennio Morricone

Para que um filme nos transporte para a época ou a região onde se passa a história, é necessário que um grande trabalho de pesquisa seja feito. Essa pesquisa passa pelo figurino, cultura, condições climáticas e outros fatores importantes para retratar com fidelidade o ambiente onde se desenrola a história.  No que se refere à trilha sonora, esse mesmo empenho é obrigação do compositor, pois se ele não tiver a mesma dedicação, sua música pode interferir de maneira negativa na ambientação do filme.

Como um grande exemplo de pesquisador, surge o nome de Ennio Morricone que nos dá aulas de instrumentação, orquestração, estilos de composição e mostra todo o seu conhecimento sobre a História da Música. Nos seus filmes de western, Morricone levou todo o som do ambiente para a orquestra. Em Il Buono, Il Brutto, Il Cattivo (1966) as notas “lá” e “ré” se sucedem em semicolcheias traduzindo o som do coiote através de um clarinete. E os fortes sons do coro nos passam toda a força de um ambiente hostil onde se situam a maioria dos westerns. Já com a voz sutil de Edda Dell’Orso ele nos dá o tom de tristeza e amplidão em C’era Una Volta il West (1968) e Giu’la Testa (1971).

Após ter sido “descoberto” pelos portugueses no século XVI, o Brasil foi “invadido” pela igreja católica no século XVIII. Os jesuítas vieram com a intenção declarada de catequizar os índios e impor sua cultura. Na segunda metade do século, a música européia passa por uma transformação e o classicismo começa a substituir o barroco. A melodia ganha um realce e a orquestra passa por um momento de desenvolvimento. Morricone utiliza-se dela em conjunto com a música indígena sul-americana da época para compor o que talvez seja sua trilha sonora mais bem sucedida: The Mission (1986). Com essa sobreposição de dois estilos musicais, ele consegue passar a intenção de aculturação do europeu sobre os índios. E não comete equívocos quanto ao estilo musical da época.

City of Joy (1992) se passa na Índia e a pesquisa para a realização da instrumentação do compositor foi detalhada. Flautas indianas, tabla, tampura, scinai e cítara foram os instrumentos típicos usados para nos levar ao país no qual se passa o filme – além de composições ao estilo indiano. Já o som grave produzido pelo solo de tuba em Il Deserto dei Tartari (1976) e pela flauta- baixo em Secret of the Sahara (1987), nos traz a sensação de solidão e imensidão para os filmes que se passam em um lugar inóspito como o deserto.

No filme Vatel (2000) o estilo barroco nos conduz à corte de Luís XIV e nos dá a certeza de estarmos na França do século XVII. O harpsichord, característico da época, e músicas alegres ambientam o filme perfeitamente. Em Karol, Um Uomo Diventato Papa (2005) o som do violino e uma orquestra menor dão o tom intimista para o filme, que conta a história de João Paulo II. Uma composição para piano lembra Chopin, e nos leva à Polônia, país natural de Vojtila. E quando Karol se torna Papa, uma música sacra entra em cena. O coro dá o tom religioso à obra, e assim, o compositor conduz o filme ao seu ápice emocional.

Ennio Morricone passeia por todos os estilos de composição, mas sem deixar que isso o torne irreconhecível. Em suas trilhas ouvimos música de western, música barroca, clássica, indiana, sacra, mas ouvimos também Morricone. Como o próprio diz: “É muito importante que o compositor mantenha seu estilo”. O estilo do compositor faz parte da estética do filme, ou seja, quando um diretor convida um compositor para escrever a trilha, ele quer ouvir o som característico deste como parte do conjunto da obra. E a importância da trilha sonora está não somente em ajudar na narrativa ou na emoção do filme, mas também na ambientação sonora que precisa contribuir para a história sem descaracterizá-la.

Tarso Ramos

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