Resenha de Trilha Sonora: BEN-HUR – COMPLETE SCORE


Música composta por Miklós Rózsa e regida por Nick Raine. The City of Prague Philharmonic Orchestra & Choir
Selo: Tadlow Music
Formato: CD
Lançamento: 03/10/2017
Cotação:

Na década de 1980, no Cine Baltimore em Porto Alegre, fui conquistado pela jornada épica, divina e humana do príncipe hebreu Judah Ben-Hur. E me apaixonei por sua música.

O húngaro Miklós Rózsa compôs sua primeira trilha sonora em 1937 para o filme O Amor Nasceu do Ódio. Na década de 1940, Rózsa emprestou uma voz sedutora à ambiguidade moral do Cinema Noir, ajudando a moldar o gênero com partituras como Pacto de Sangue e Assassinos. E na década de 1950 sua música arrebataria as plateias em sagas bíblicas e históricas do quilate de Quo Vadis, Ivanhoé, o Vingador do Rei, Júlio César, entre outras. Esta vocação épica abriu as portas para a composição da obra-prima de sua carreira e da música para o cinema: Ben-Hur.

Narrando a trajetória de Judah em paralelo à de Jesus Cristo, o épico de 1959 ultrapassa três horas e meia de duração. Rózsa investiu mais de um ano escrevendo cento e cinquenta e sete minutos de música, trabalhando a maior parte do tempo na Itália, país no qual estava sediada a produção.

Os grandes espetáculos daqueles dias costumavam ser divididos em “Abertura” (precedendo a exibição), “Intervalo” (anunciando o fim da primeira parte), “Entreato” (anunciando o início da segunda parte) e, muitas vezes, “Música de Saída” (encerrando a sessão). No caso de Ben-Hur, Rózsa necessitou compor as três primeiras destas cortinas musicais. Sua “Abertura” é um trailer sonoro, ambientando a plateia a todos os temas do filme a ser projetado.

Judah e Messala, amigos de infância, se reencontram divididos por um império. O pedido do tribuno romano para que Judah traia o povo hebreu transforma esta amizade em ódio devastador. Usando um acidente como subterfúgio, Messala condena o príncipe à escravidão nas galeras e sua família às trevas do cárcere romano. A sombra do rompimento iminente ressoa melancólica na terna melodia de Rózsa para esta amizade.

Arrastado pelo escaldante deserto junto aos outros escravos, Judah exaure suas forças. A música preenche a árida paisagem de um sofrimento injustamente imposto. Na aldeia, a água refresca romanos e cavalos, os escravos lutam pelos respingos e Judah é proibido de beber. O primeiro encontro de Judah e de Cristo é um triunfo da criatividade do diretor William Wyler e do compositor Miklós Rózsa. Wyler jamais revela a face de Cristo ou coloca palavras desnecessárias em seus lábios. Cristo é iluminado pela suave, etérea melodia de Rózsa, e sua divindade se estabelece quando refletida no olhar de perplexo encantamento de Charlton Heston ao receber a água de suas mãos. Cristo permeia o filme de espiritualidade, seja por sua presença, seja através de uma inspirada metáfora: a água. A fonte da vida surge sempre em momentos cruciais acompanhada do tema de Rózsa para Cristo, abastecendo de vontade de viver a alma torturada de Judah.

Acorrentado ao remo da galera romana, Judah se vê envolvido em uma batalha naval. Rózsa torna o conflito monumental, nos mantém ciente do drama de Judah e, em meio ao caos, sopra a inspiração de Cristo em seu coração. Já na clássica sequencia da corrida de bigas, Rózsa e Wyler demonstram inteligência e sensibilidade. A música fornece o prólogo, estabelecendo a grandiosidade da corrida, e o epílogo do evento, sublinhando a amargura do triunfo de Judah. Mas, em uma aula de cinema, a corrida de bigas é a soma do trabalho de diretores de segunda unidade, atores, dublês, treinadores de animais, editores e técnicos de efeitos especiais e sonoros, sem utilizar música ou diálogos. O resultado é uma cena de impacto duradouro.

Após a aparente vitória, uma via-crúcis ainda aguarda Judah. Atualmente, poucos compositores usam temas centrais em suas trilhas, preferindo criar atmosferas sonoras que evocam a emoção específica da cena exibida. Ben-Hur oferece a oportunidade de ouvir o oposto disso. Na sucessão de eventos dramáticos do filme, Rózsa incorpora a alma dos personagens em suas notas musicais, compondo uma das partituras mais íntimas do cinema para um épico. A dor da separação está sempre presente no tema de amor entre Judah e Esther. As cenas da mãe e da irmã acometidas pela lepra recebem o peso musical da carga que verga os ombros de Judah.

Acompanhando o calvário de Cristo temos uma composição a equilibrar seu sofrimento humano e sua grandeza espiritual. E, na harmonia entre instrumentos e coral, Rózsa eleva às alturas o milagre que apazígua a alma de Judah. Muitos destes temas dialogam no decorrer do filme, compondo harmonias surpreendentes e nos aprofundando nos sentimentos de seus protagonistas. A partitura de Rózsa reveste Ben-Hur com a moldura dourada reservada aos super espetáculos, mas, em sua investigação musical da intimidade dos personagens, o compositor alcança um raro, histórico triunfo em delicadeza. Orquestrando esse diálogo entre grandiosidade e intimidade, Rózsa nos transporta para dentro dos majestosos fotogramas de MGM 65 milímetros de Ben-Hur (clique AQUI para a nossa resenha do Blu-ray).

Agora a Tadlow Music lança a primeira gravação digital e completa desta essencial trilha sonora vencedora do Oscar, com o maestro Nic Raine conduzindo a orquestra filarmônica da cidade de Praga. A tarefa monumental de produzir um álbum com a trilha completa exigiu pesquisar desde as partituras originais registradas pela MGM na Livraria do Congresso até as anotações feitas a mão pelo próprio Rózsa, descobrindo, assim, faixas presentes na trilha, mas jamais gravadas antes e outras compostas, mas não utilizadas no filme. Este levantamento resultou na regravação digital da trilha por uma orquestra de 96 instrumentos, um coral de 80 vozes e, ainda, conjuntos de instrumentos étnicos, sob a regência magistral de Nic Raine.

Para quem possui gravações prévias, pode causar certo estranhamento a audição inicial deste álbum devido à profusão de instrumentos pouco ouvidos anteriormente. Mas a fidelidade a Miklós Rózsa está presente da primeira à última nota. A regravação digital nos faz redescobrir a trilha em toda a sua delicada grandiosidade. Por um lado, traz composições não ouvidas antes ou gravadas parcialmente; por outro, possibilita que faixas abafadas na captação analógica alcancem agora todo o potencial pretendido quando originalmente escritas por Rózsa.

Além de oferecer uma gravação, talvez, definitiva da trilha sonora, a edição do álbum duplo preserva a música de Miklós Rózsa para a posteridade. O álbum registra a obra-prima daquele que é, na minha opinião, o maior compositor de música para o cinema de todos os tempos. Tocar Ben-Hur da Tadlow Music é ouvir a história do cinema contada com todo o talento, o carinho e a pureza que a tecnologia permite.

Faixas:

Disco 1
1. Overture (6:17)
2. Anno Domini / Star Of Bethlehem / Adoration Of The Magi (5:09)
3. Fanfare & Prelude / Marcia Romana / Spirit & Sword (5:04)
4. Salute For Messala / Friendship / Friendship Continued (5:00)
5. The House Of Hur (2:24)
6. Conflict (1:54)
7. Esther / The Unknown Future* (4:24)
8. Love Theme / Ring For Freedom (5:27)
9. Salute For Gratus / Gratus’ Entry To Jerusalem (4:25)
10. Arrest* (1:28)
11. Reminiscences (2:05)
12. Condemned* / Escape* / Vengeance (3:41)
13. The Prison – Part 1 / Behind Grills** / The Prison – Part 2 / Silent Farewell** (2:23)
14. The Desert / Exhaustion / The Prince Of Peace / Roman Galley (7:36)
15. Salute For Arrius / Quintus Arrius / The Roman Fleet (2:28)
16. The Galley (The Rowing Of The Galley Slaves) / Rest (4:30)
17. Battle Preparations / The Pirate Fleet / Attack! / Ramming Speed / Battle / Rescue / Roman Sails / The Rowers (11:05)
18. Victory Parade / Victory Finale (2:48)
Duração: 78:08

Disco 2
1. Fertility Dance (1:57)
2. Arrius’ Party (1:21)
3. Nostalgia / Farewell To Rome (2:26)
4. Judea / A Barren Coast* (3:51)
5. Balthazar / Balthazar’s World (3:51)
6. Harun Al Rozsad* (2:19)
7. Homecoming / Memories / Hatred (5:23)
8. The Dungeon** / Lepers (3:22)
9. Return / Promise / Sorrow / Intermission (7:34)
10. Entr’acte (Original Version) (3:34)
11. Panem Et Circenses (1:10)
12. Circus Fanfares (0:43)
13. Fanfare For Circus Parade / Circus Parade (Parade Of The Charioteers) (3:33)
14. Ben-Hur Crowned / Bitter Triumph / Aftermath (2:55)
15. Valley Of Lepers / The Search / The Uncleans (5:42)
16. Road Of Sorrow / The Mount / The Sermon / Frustration (5:28)
17. Valley Of The Dead / Tirzah Saved (4:12)
18. The Procession To Calvary / The Bearing Of The Cross / Recogniton (7:56)
19. Golgotha / Calvary** / Afterthoughts** / Shadow Of Storm (2:35)
20. The Miracle / Finale (5:27)
21. Love Theme From Ben-Hur (3:00)
Duração: 78:19

Duração Total: 156:27

*Esta faixa não está presente no filme
**Esta faixa foi gravada pela primeira vez

Denis Winston Brum

7 comentários sobre “Resenha de Trilha Sonora: BEN-HUR – COMPLETE SCORE

  1. Acredito que a obra de Miklos Rozsa para Ben-Hur está otimamente bem representada no álbum da Rhino de 1996 onde temos 2 cds de musica remasterizada. Totalizando 147:40 minutos de música. Lógico que a regravação da Tadlow explorou as novas ferramentas digitais. Eu até pensei em comprar, más como tenho esta versão da Rhino, então desisti. Aliás a versão da Rhino é original e conduzida pelo próprio Miklos Rozsa.

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