Resenha de Trilha Sonora: STAR TREK BEYOND – Michael Giacchino


trek_beyond_cdMúsica composta por Michael Giacchino
Selo
: Varèse Sarabande Records
Formato
: CD
Lançamento: 22/07/2016
Cotação: star_4

Terceiro filme da nova saga iniciada com o reboot Star Trek (idem, 2009), a aventura de ficção científica Star Trek: Sem Fronteiras (Star Trek Beyond, 2016) traz o retorno da clássica tripulação da nave Enterprise, como o Capitão James T. Kirk (Chris Pine), o vulcano Spock (Zachary Quinto) e a Tenente Uhura (Zoe Saldana), em sua missão de exploração de cinco anos pelo espaço. Na trama, a Enterprise, atendendo a um pedido de socorro, acaba atacada e (mais uma vez) destruída, e sua tripulação, presa a um planeta desconhecido. Lá, serão obrigados a se dividir em duplas e a lidar com novas figuras, como a guerreira Jaylah (Sofia Boutella) e o temível vilão Krall (Idris Elba), responsável pelo ataque à nave. J.J. Abrams, diretor do longa de 2009 e da continuação Além da Escuridão: Star Trek (Star Trek Into Darkness, 2013), preferiu não voltar, por estar ocupado com outra saga espacial em Star Wars: O Despertar da Força (Star Wars: The Force Awakens, 2015). Em seu lugar, entrou o diretor taiwanês Justin Lin, antes mais conhecido por seu trabalho no cinema de ação, incluindo quatro filmes para a franquia Velozes e Furiosos.

Em seus longas anteriores, Lin havia estabelecido uma bem sucedida parceria com o compositor Brian Tyler, portanto, era de se esperar que ele assumisse a batuta no novo longa. Tyler é um grande trekkie (fanático por Star Trek) e, no início de sua carreira, já havia escrito o score de dois episódios da série Enterprise, assim, seria interessante ver qual a contribuição que ele traria para a música da saga. Entretanto, o sujeito logo acabou preterido em favor de outro colega trekkie, Michael Giacchino, que já havia escrito o score para os dois longas anteriores de Abrams, e certamente trabalhou para convencer Lin a trazê-lo de volta.

Claramente, o carismático Giacchino tem um grande carinho pela franquia e por seus trabalhos nela. Seus dois scores anteriores para os longas de Abrams fizeram sucesso com o público e a crítica, então, para que mudar? Assim, se seu trabalho acaba soando ligeiramente previsível, isso acaba não sendo exatamente um problema, uma vez que a música de Giacchino para Star Trek e Além da Escuridão mantiveram uma qualidade que se manteve aqui.

Enamorado pelo tema principal que compôs para a franquia, Giacchino o reutiliza aqui nas mais diversas ocasiões. Felizmente, seu tema é dinâmico, com pequenas partes que podem ser desconstruídas e reaproveitadas sempre que ele desejar. Na faixa inicial, Logo and Prosper, ele surge no já tradicional arranjo misterioso para trompas, texturas eletrônicas e um leve coro, que abriu todos os novos longas da franquia até o momento. Em The Dance of the Nebula, o tema ganha tons marciais, mantendo um senso de tensa antecipação que precede o encontro dos heróis com o vilão. Já em Hitting the Saucer a Little Hard, a primeira faixa de ação do disco, o tema surge desprovido de seus tons heroicos em meio à violentas orquestrações e muita percussão. Entretanto, ao fim da faixa, Giacchino rearranja seu tema como uma trágica elegia para coral, mostrando as consequências do devastador ataque à Enterprise. Depois, cada um dos motivos que o compõem retornam aos poucos em Franklin My Dear, enquanto na excitante Motorcycles of Relief, o ritmo de oito notas que acompanha a melodia principal ganha ares heroicos e corajosos.

Das novas contribuições que Giacchino trouxe ao rico universo musical da franquia, de longe a melhor delas é o tema da base espacial Yorktown. Trata-se de uma melodia grandiosa, emocional, esperançosa e otimista, a perfeita representação musical de seus ideais. Sua introdução se dá aos 1:33 de Thank Your Lucky Star Date, em cellos, mas certamente o cue onde mais se destaca é o imediatamente seguinte, Night on the Yorktown. Esta ótima faixa começa de forma pacífica, que logo se transforma numa tocante e otimista melodia para trompetes, sopros, cordas e harpas, emendando-se no tema de Yorktown em si, em orquestra e coro. É uma bonita faixa, que poderia até estar entre as melhores do ano, embora eu realmente preferisse que as transições do intimista ao grandioso e de volta ao intimista na segunda metade do cue fossem um pouco mais sutis. De toda forma, o tema de Yorktown retorna apenas na penúltima faixa do disco lançado pela Varèse, Par-tay for the Course, num piano gentil e caloroso.

Para os novos personagens Krall e Jaylah, Giacchino empregou orquestrações que mostram a agressividade dos personagens. O vilão é representado musicalmente como um autêntico senhor da guerra em A Swarm Reception, com trombones e violentos tímpanos. Seu tema propriamente dito, uma sinistra melodia, é melhor desenvolvido em Krall-y Krall-y Oxen Free*, uma faixa de suspense dura e dissonante. Já o motivo de Jaylah é apresentado em Jaylah Damage, no qual ganha percussão tribal acompanhando a orquestra, retratando não apenas sua personalidade “selvagem”, mas também sua solidão e curiosidade com personagens de outros cantos do espaço.

Mesmo assim, se a trilha não é especialmente forte no aspecto temático, ao menos continua a mostrar o talento de Giacchino para escrever música de ação criativa e interessante. A citada Hitting the Saucer a Little Hard começa como uma poderosa faixa de ação, antes de assumir ares trágicos na segunda metade do cue. Mocking Jaylah, por sua vez, é igualmente excitante, trazendo orquestrações enérgicas, coral e até mesmo uma breve participação da guitarra, além de embates entre o tema principal e o de Krall. Já a poderosa Crash Decisions é acompanhada por uma furiosa escrita para cordas, reminiscente de alguns ótimos trabalhos recentes de Giacchino no gênero, como O Destino de Júpiter (Jupiter Ascending, 2015) e Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros (Jurassic World, 2015). Tal cue também é estruturado em torno de um heroico novo motivo para Spock (ouvido em metais aos 0:40), que surge em meio a rápidas performances do ostinato do tema principal e do tema de Krall. Finalmente, há a curta, porém violenta Cater-Krall in Zero G, que traz uma última performance do tema do vilão, finalmente superado por uma grandiosa participação do tema dos heróis em seu encerramento.

Sem dúvidas, a sessão da Hollywood Studio Symphony que mais se destacou nesta trilha foi a percussão. Giacchino emprega uma grande variedade de instrumentos do tipo, e das formas mais inesperadas. Isso se faz notar principalmente nas faixas de ação, em que o compositor coloca seus percussionistas (que incluem Don Williams, veterano músico de gravações de trilhas sonoras, e irmão de John) para trabalhar duro, seja para ressaltar a grandiosidade, seja para aumentar a tensão e o perigo. Em Motorcycles of Relief, por exemplo, tarolas fazem o acompanhamento da faixa, o que ressalta as origens militares da tripulação da Enterprise, e também me recordam levemente da música de ação que James Horner costumava empregar nos anos 1990 e início dos anos 2000 – o que nunca é uma coisa ruim. Além disso, mesmo em faixas menos expansivas o músico usa a percussão em orquestrações coloridas e interessantes, como na tensa e dissonante Shutdown Happens.

Por outro lado, com tanta ação e intriga, os momentos mais sutis e emocionais da trilha acabam quase deixados de lado. O belo tema para cordas e erhu que Giacchino escreveu para Spock e a cultura vulcana no primeiro filme, por exemplo, praticamente não é ouvido aqui, apenas numa brevíssima aparição em melancólicos cellos na faixa A Lesson in Vulcan Mineralogy. Em seu lugar, o compositor criou o citado novo motivo heroico para o personagem, introduzido na mesma faixa (embora sua conexão com o tema principal ao fim seja particularmente excelente).

Mas o que eu mais senti falta nesta trilha foi um melhor encerramento, por assim dizer. Ao invés de uma suíte para os créditos finais, o disco encerra-se apenas com a curta Star Trek Main Theme, uma rápida peça baseada apenas no tema principal (com uma breve participação especial do clássico tema de Alexander Courage para a série original). A suíte dos créditos ouvida no filme seria uma ótima forma de encerrar o disco e sumarizar os temas novos que acabamos de ouvir.

Mesmo assim, Giacchino mostra novamente não apenas o seu talento e sua habilidade cada vez maior para escrever músicas para blockbusters de ação, aventura e ficção científica, como também continua a escrever sua carta de amor para a franquia. Goste ou não dele, é inegável que o sujeito já deixou sua marca na saga: tendo escrito música para três longas, Giacchino é superado em quantidade de filmes apenas por Jerry Goldsmith e seus cinco longas. Particularmente, eu acho que ele possui outros trabalhos mais fortes e interessantes no gênero além da música para as aventuras da tripulação da Enterprise. Porém, seus três scores para Trek não deixam de ser trilhas muito consistentes e de qualidade. Com isso, seu trabalho em Star Trek Sem Fronteiras permanece como um dos melhores escritos para um blockbuster em 2016.

*Sou o único que acha que os nomes repletos de trocadilhos que Giacchino costuma dar para seus cues ficam mais bobos a cada trilha que ele faz?

Faixas:

1. Logo And Prosper  1:47
2. Thank Your Lucky Star Date  2:15
3. Night On The Yorktown  5:36
4. The Dance Of The Nebula  2:22
5. A Swarm Reception  2:30
6. Hitting The Saucer A Little Hard  6:10
7. Jaylah Damage  2:50
8. In Artifacts As In Life  1:51
9. Franklin, My Dear  2:50
10. A Lesson In Vulcan Mineralogy  5:17
11. MotorCycles Of Relief  3:17
12. Mocking Jaylah  3:26
13. Crash Decisions  3:16
14. Krall-y Krall-y Oxen Free  4:23
15. Shutdown Happens  4:35
16. Cater-Krall In Zero G  2:17
17. Par-tay For The Course  2:46
18. Star Trek Main Theme  3:45

Duração: 61:13

Tiago Rangel

13 comentários sobre “Resenha de Trilha Sonora: STAR TREK BEYOND – Michael Giacchino

  1. Tiago Rangel, gostei da resenha.
    É um prazer ouvir mais uma trilha do Giacchino para Star Trek.
    Achei muito massa terem chamado ele novamente.
    Fechando assim uma trilogia (por enquanto) Star Trek com seu nome.

    ótimo score.

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    • Não acho isso uma boa noticia. Embora ele seja muito bom, quando ele faz um score às pressas, fica aquém da seu talento. Zootopia é um exemplo disso.

      Eu queria ouvir o trabalho do Desplat. Seria muito interessante…

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      • Existem boatos de que ele escreveu a trilha (ou parte dela), mas que com a exigência do estúdio para que eles regravassem várias cenas e tentassem mudar um pouco o tom do filme (deixá-lo mais leve, feliz…) tiveram que substituir inclusive a trilha do Desplat. Pode-se supor que a retirada dele tenha acontecido por ele ter se negado a mudar a trilha, descaracterizá-la diante do objetivo inicial dele (e do filme) quando a criou. Então ele pediu para sair. O Giacchino sempre esteve à disposição, então foi contratado.

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