Resenha de Trilha Sonora: CAROL – Carter Burwell


PrintMúsica composta por Carter Burwell
Selo: Varèse Sarabande
Catálogo: 302 067 380 8
Lançamento: 20/11/2015
Cotação: star_3_5

Carol (idem, 2015) é um drama romântico adaptado da obra da escritora Patricia Highsmith e dirigido pelo cineasta Todd Haynes. Ele conta a história do envolvimento e o amor proibido entre duas mulheres, a rica Carol Aird (Cate Blanchett) e a jovem atendente de uma loja de departamentos, Therese Belivet (Rooney Mara). Elogiadíssimo pela crítica, o longa está bem cotado para a próxima temporada de premiações, em especial para suas duas atrizes principais, para a bela fotografia de Edward Lachman e, claro, a trilha de Carter Burwell.

Haynes, um cineasta independente altamente experimental e pessoal, no passado inspirou ninguém menos que Elmer Bernstein a escrever a última obra-prima de sua carreira, Longe do Paraíso (Far from Heaven, 2002), indicada ao Oscar treze anos antes. Para seu novo longa, Burwell, em sua segunda colaboração com o diretor após a minissérie da HBO Mildred Pierce (idem, 2011), está com boas chances de conquistar sua primeira indicação ao prêmio máximo da Academia, principalmente após ser nomeado para o último Globo de Ouro.

Compositor favorito dos irmãos Coen, Burwell é também um músico altamente pessoal, quase do tipo “ame ou odeie”. Seus trabalhos são considerados de difícil conexão mesmo para muitos críticos, e por causa disso sua carreira permaneceu ligada quase que exclusivamente ao cinema independente. Tão pessoal é seu estilo que ele já coleciona diversos scores rejeitados para longas como A Identidade Bourne (The Bourne Identity, 2002) e Thor: O Mundo Sombrio (Thor: The Dark World, 2013), o que o ajudou a permanecer obscuro mesmo no mundo das trilhas sonoras. Nos últimos anos, porém, seu nome lentamente começou a surgir entre os fãs, graças a seus scores para as duas partes de A Saga Crepúsculo: Amanhecer (The Twilight Saga: Breaking Dawn), raríssimos blockbusters de sucesso de sua carreira. Eles foram elogiados por seus belos temas e pelas orquestrações épicas que acompanharam a sequência climática do último filme da franquia adolescente. Agora, ele tem a chance de finalmente entrar no mapa dos fãs de trilhas: sua partitura para o drama investigativo Sr. Holmes (Mr. Holmes, 2015) e para a animação Anomalisa (idem, 2015) causaram certo buzz com os críticos, tal como Carol – embora nenhuma delas traga uma mudança muito grande na escrita muito particular de Burwell.

Escrita para uma pequena orquestra de câmara, com ênfase em piano, cordas e madeiras, a trilha não é um score expressivamente romântico, como os trabalhos de Rachel Portman ou do John Barry ouvido nos anos 1980 e 1990, por exemplo. A música de Burwell aqui retrata sentimentos proibidos e a repressão a que as duas protagonistas estavam submetidas, e como elas precisavam a qualquer custo esconder o que realmente sentiam uma pela outra para manter sua imagem social. Assim, ele escreveu três temas para acompanhar a história. O primeiro é o principal love theme do longa, uma melodia cuja orquestração é dividida em três partes (para piano, cordas e oboés ou flautas para o segmento principal), retratando o amor de Carol e Therese. Lembra um pouco algo que Burwell poderia ter escrito em seus três scores para a saga Crepúsculo, por exemplo. O outro é um tema para a ausência e o sentimento de perda ocasionado pelas separações das personagens ao longo do filme, no qual Burwell utiliza, em suas próprias palavras, grandes intervalos musicais para retratar o “vazio” sentido pelas mulheres, ao invés de sua dor, nos momentos em que elas estão separadas ou sua relação é estremecida. O terceiro, enfim, retrata a fascinação que Therese sente por Carol, e é um dos mais interessantes do disco: interpretado por um de piano atmosférico e fantasmagórico, Burwell explica que as mãos do pianista foram gravadas e processadas separadamente, para que a “esquerda desaparecesse numa nuvem, e a direita ainda permanecesse distinta o suficiente para carregar a melodia”. O efeito é abstrato, porém profundamente sonhador, quase como se, literalmente, Carol fosse a mulher dos sonhos de Therese.

O love theme aparece logo ao início, em Opening (“como se estivesse lhe contando algo sobre as personagens antes mesmo de elas aparecerem”, diz o compositor). Conduzido por piano e orquestra, ele lembra o minimalismo de Philip Glass. Tal tema é o que possui maior proeminência no score, e curiosamente também é o que possui mais variações. Em Datebook, por exemplo, ele ganha o acompanhamento de um violão gentil e de uma marimba, refletindo a paixão quase jovial de Therese por Carol, enquanto em Christmas Trees ele aparece logo após uma triste interpretação do tema da perda, acompanhando a amizade e a intimidade crescente de Carol e Therese. Na bela Lovers ele recebe sua interpretação mais completa, incluindo um lindo solo de violino junto à orquestra, para acompanhar a cena em que as duas finalmente se entregam ao desejo e fazem amor pela primeira vez. Porém, logo na faixa seguinte, Gun, a música retorna a territórios mais sombrios, não muito diferentes da música de suspense que Burwell vem escrevendo para os Coen ao longo das últimas décadas. Assim, na marca de 1:52, o tema de amor aparece desprovido de todo o seu romantismo, num arranjo duro que retrata a vergonha das duas amantes de terem sido flagradas.

O tema da fascinação ocorre em faixas como To Carol’s, Packing e Waterloo, sempre com um acompanhamento eletrônico e, no caso da primeira, uma voz feminina fantasmagórica, que aumenta ainda mais o clima de sonho da música. Mais tarde, quando Carol e Therese são forçadas a se separar, o piano do tema ganha um belo e triste acompanhamento de violinos para retratar o sofrimento das amantes, ouvido em faixas como Visitation e Reflections. Já o tema da perda, ainda mais intimista e melancólico, é ouvido pela primeira vez em Taxi, primeiramente no piano, e depois em cordas dramáticas. Ele ocorre durante os momentos mais sombrios da relação entre Carol e Therese, como em The Train, ou na tristíssima Letter. Nesta última, a melodia se reveza nos sopros, cordas e piano, com algo que lembra um órgão (provavelmente sintetizado) ao fundo.

As últimas faixas do score, que no disco divide espaço com algumas canções de época, cobrem uma grande variedade de temas, culminando com uma bela apresentação do love theme em The End. É interessante notar que sua performance aqui não é catártica ou grandiosa, nem apresenta muitas variações para as outras ouvidas no disco. Isso pode ser tanto um indício da escrita mais intelectualizada de Burwell, um compositor que não gosta de “forçar as emoções a qualquer custo” em suas trilhas (posição que respeito, porém discordo), como também o fato de que o final de Carol e Therese não é necessariamente feliz. Elas podem até ficar juntas, mas a repressão tanto interna quanto externa sempre assombrará seu relacionamento.

Como dito no início do texto, este é um score que não agradará a todos os fãs de trilha sonora por sua escrita altamente intelectual, porém de difícil conexão. Entretanto, eu apreciei a atmosfera triste e melancólica criada por Burwell para retratar o difícil amor proibido entre Carol e Therese, com sua música refletindo bem todos os conflitos emocionais tumultuosos a que elas estão submetidas. No geral, essa trilha irá tanto agradar aos fãs de trilhas como Deuses e Monstros (Gods and Monsters, 1998) ou Bravura Indômita (True Grit, 2010), como também pode ser como uma boa introdução de muitos ouvintes ao estilo muito particular de Carter Burwell, um compositor talentoso, que certamente merece ser mais ouvido e debatido.

Faixas:

1. Opening (02:13)
2. Taxi (01:43)
3. To Carol’s (01:39)
4. One Mint Julep (02:26)
Performed by The Clovers. Music and lyrics by Rudy Toombs
5. Datebook (00:52)
6. Christmas Trees (02:19)
7. Easy Living (03:02)
Performed by Billie Holiday and Teddy Wilson. Music and lyrics by Ralph Raigen and Leo Robin
8. The Train (02:30)
9. Packing (01:10)
10. Drive into Night (00:52)
11. Kiss of Fire (02:25)
Performed by Georgia Gibbs. Music and lyrics by Lester Allen and Robert Hill
12. Waterloo (00:40)
13. Lovers (02:40)
14. Gun (03:06)
15. Smoke Rings (02:56)
Performed by Les Paul and Mary Ford. Music and lyrics by H. Eugene Gifford and Ned Washington
16. Over There (01:12)
17. Visitation (01:29)
18. To Court (01:01)
19. Letter (03:25)
20. No Other Love (02:57)
Performed by Jo Stafford. Music and lyrics by Bob Russell and Paul Weston
21. The Times (02:16)
22. Reflections (01:18)
23. Crossing (01:30)
24. You Belong to Me (02:53)
Performed by Helen Foster and The Rovers. Music and lyrics by Pee Wee King, Chilton Price and Redd Stewart
25. The End (03:53)

Duração total: 52:27

Tiago Rangel

3 comentários sobre “Resenha de Trilha Sonora: CAROL – Carter Burwell

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