Resenha de Trilha Sonora: INSIDE OUT – Michael Giacchino


inside_out_CDMúsica composta por Michael Giacchino, regida por Tim Simonec
Selo: Walt Disney Records
Catálogo: D002064702
Lançamento: 16/06/2015
Cotação: star_3_5

Lançada no Brasil em 18 de junho, a animação Divertida Mente (Inside Out, 2015) pode muito bem ser o filme mais arriscado já feito pela renomada produtora Pixar. Os seus personagens principais não são nada menos do que emoções humanas: Alegria, Tristeza, Nojinho, Raiva e Medo são figuras que comandam a mente de Riley Anderson, uma menina de 11 anos. O crescimento de Riley combinado à mudança para uma nova cidade traz um caos à sua cabeça. Assim, Alegria e Tristeza embarcam numa viagem pela consciência da menina para restaurar a ordem e, no processo, acabam aprendendo uma importante lição sobre a perda da infância e a chegada de uma nova fase da vida. O filme foi aclamado pelos críticos e quebrou recordes de bilheteria em sua estreia nos EUA, com muitos dizendo que o longa é um dos melhores já feitos pela casa.

Comandando a trilha sonora, temos um veterano do estúdio, Michael Giacchino, que já havia trabalhado em quatro produções anteriores da casa. O sujeito vive uma das melhores fases de sua carreira, entregando um trabalho de qualidade atrás do outro, e essa tendência, felizmente, continua em Divertida Mente, apesar de esta ser a mais diferente do compositor no ano. Ao invés dos épicos e grandiosos scores orquestrais para longas como Tomorrowland: Um Lugar Onde Nada é Impossível (Tomorrowland, 2015), e Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros (Jurassic World, 2015), seu trabalho aqui tem mais a ver com o estilo de Alexandre Desplat nos filmes de Wes Anderson e com os scores mais alternativos da carreira de Danny Elfman, com um leve toque das trilhas de Hans Zimmer para Christopher Nolan, além de, claro, suas próprias partituras anteriores para a Pixar, em especial Ratatouille (idem, 2007) e a vencedora do Oscar Up: Altas Aventuras (Up, 2009).

A missão de Giacchino (e dos roteiristas e diretores do longa) era dura: representar, através de formas simples e acessíveis, todo o funcionamento da mente humana. E, tal como o filme, a trilha se divide entre momentos mais cômicos e leves com outros mais melancólicos e tristes. Para isso, junto à orquestra, Giacchino reuniu um elenco musical bastante diversificado, incluindo instrumentos de teclas como xilofones, glockenspiel e vibrafone, além de violões e efeitos eletrônicos repletos de ecos e sons distintos, dando toda uma ambientação surrealista ao score. Além disso, Giacchino também continua utilizando a técnica do leitmotiv (compositor à moda antiga, ele é um dos poucos que ainda faz isso), porém, ao invés de simplesmente escolher alguns personagens e compor uma música para acompanhá-los, sua abordagem aqui é mais episódica: temas entram e saem conforme a necessidade, e são apenas elementos que acompanham a trajetória de Riley, no mundo real, e de suas emoções, em sua mente. É uma estratégia arriscada, porém, felizmente, a trilha não soa desconjuntada, ainda que seja um pouco menos coesa que os trabalhos anteriores do músico.

Mesmo assim, alguns temas se destacam, por serem mais proeminentes na trilha. O primeiro, e principal deles, é o tema de Alegria (a personagem), uma melodia doce, quase como uma canção de ninar. Os outros não são exatamente voltados para personagens em específico, mas sim para momentos com eles: um é um tema para Riley, sua família e os momentos felizes que a menina viveu, e o outro é um tema para o seu crescimento, uma melodia melancólica e agridoce, que aparece sempre quando acontece algo que leva ao amadurecimento da garota e dos personagens.

O tema de Alegria é a primeira coisa a ser ouvida no disco, logo em Bundle of Joy, num pianinho, com fundo eletrônico – parecendo uma “versão Disney” da trilha de Desplat para A Árvore da Vida (The Tree of Life, 2010) – e depois com toda a orquestra. Ao início do disco, ele aparece de forma mais leve e inocente, refletindo a própria personalidade de Alegria (sim, as emoções do filme tem personalidades e arcos próprios, que tem muito a ver com seus nomes) no primeiro ato do longa. Na bela Free Skating, ele aparece de forma mais atmosférica, no piano, e em Team Building e First Day of School, ele é apresentado em violões e no vibrafone, com o ritmo bem rápido, frenético e animado, como a própria personagem, interpretada na versão original pela atriz Amy Poehler.

Já o tema de Riley e sua infância feliz é desenvolvido ao longo dos mais de quatro minutos de Nomanisone Island/National Movers, onde aparece quase como uma música pop/indie bastante leve, ou mesmo lembrando o estilo de Steve Jablonsky e Ilan Eshkeri para a trilha dos videogames The Sims 3 e The Sims 4, respectivamente (os quais sou um grande fã). Porém, conforme o filme (e o disco) avançam, os momentos felizes da infância de Riley começam a dar lugar às primeiras dúvidas e medos da adolescência e, dessa forma, o tema fica um bom tempo ausente. Em seu lugar, entra o tema do crescimento, aparecendo de maneira triste, aos 0:35 de Goofball No Longer e em 0:30 de Down in the Dumps. Mais para a frente, o tema das memórias felizes de Riley reaparece, de forma melancólica e minimalista, em Tears of Joy, com piano e cordas. Aqui, Giacchino demonstra inteligência na aplicação de seus temas, pois a cena acompanhada pela faixa trata de Alegria redescobrindo uma memória de Riley, e a enxergando por uma nova ótica: a da falta de um tempo bom que passou, e a importância da Tristeza para isto.

Apesar disso, como foi dito, os outros temas entram e saem, e não acompanham muito o desenvolvimento da música. Tristeza, por exemplo, ganha o seu próprio, uma melodia bastante cômica e engraçada para sopros, que aparece ao início de Team Building, e depois em Overcoming Sadness e na marca de 0:54 de First Day of School, para depois sumir por completo do score. O tema de Bing Bong, o amigo imaginário de Riley, tem um pouco mais de destaque. Ele surge em Chasing the Pink Elephant e Imagination Land, quase como uma intencionalmente boba canção para crianças pré-escolares, através de instrumentos infantis.

A verdadeira força do score, porém, está na criatividade que Giacchino emprega para musicar cada parte do filme. Riled Up, por exemplo, traz uma marcha em crescendo para toda a orquestra, enquanto The Forgetters é um jazz bem próximo do estilo de Randy Newman em outra produção da Pixar, Monstros S.A. (Monsters, Inc., 2001) – que, curiosamente, também foi dirigido por Pete Docter. Já Abstract Thought e Dream a Little Nightmare são agitados e surrealistas cues, contando com metais, percussão, saxofone, guitarra e, no caso da segunda, teclados oitentistas “de terror”, aparecendo em uma das sequências mais divertidas da produção.

Nem tudo, porém, é apenas cor e melodias peculiares. O disco também inclui alguma música de ação e suspense, em especial ao início de Goofball No Longer e em The Subconscious Basement e Escaping the Subconscious. Entretanto, é apenas mais ao fim do disco que ela se torna mais frequente, enquanto o longa se aproxima do clímax. We Can Still Stop Her e Chasing Down Sadness são separadas por duas faixas, mas, ainda assim, seguem o mesmo padrão parecido de notas, em crescendos do mais minimalista ao mais grandioso, com toda a orquestra, lembrando um pouco, portanto, o estilo de cues de Zimmer para Interestelar (Interstellar, 2014), como Mountains e Coward. Entre elas, estão a já citada Tears of Joy e Rainbow Flyer, que, provavelmente, é a melhor do disco. Ela traz uma variação repleta de ação do tema de Alegria, em metais, culminando num trecho grandioso com cordas, trompas e piano. Ao final, o tema do crescimento, marcando a melancólica cena que acompanha a faixa no filme.

No fim do disco, vem a longa Joy Turns to Sadness /A Growing Personality, que tem quase oito minutos de duração, e encerra o arco do disco de forma perfeita. Ela se inicia de forma bem agitada, antes de um trecho mais triste, que dá no tema do crescimento, em sua bela interpretação final, com cordas e eletrônicos. Numa entrevista para promover o longa, Giacchino diz que, para as cenas mais dramáticas de suas produções, sua música não toma um papel muito grandioso, preferindo ficar ali, como um amigo dando apoio ao outro em um momento difícil, e é bem isso o que vemos neste trecho do score. Logo em seguida, retornam o tema de Alegria e, finalmente, o das memórias felizes de Riley, demonstrando que a menina finalmente superou suas dificuldades e pode, enfim, aproveitar sua nova vida. E ainda há tempo para uma suíte dos créditos finais, que reprisa alguns dos principais motivos do score.

Divertida Mente pode não ser o melhor score de Giacchino no ano, porém ele mostra um compositor mais versátil e mais disposto a arriscar. Ainda que, por conta da abordagem episódica da trilha, falte certa coesão, ela permanece como um trabalho criativo do compositor. E, dado o histórico de Giacchino com a Pixar, e as excelentes críticas, uma indicação ao Oscar não seria surpreendente.

Faixas:

1. Bundle of Joy 2:48
2. Team Building 2:18
3. Nomanisone Island / National Movers 4:20
4. Overcoming Sadness 0:51
5. Free Skating 0:59
6. First Day of School 2:02
7. Riled Up 1:02
8. Goofball No Longer 1:11
9. Memory Lanes 1:22
10. The Forgetters 0:50
11. Chasing the Pink Elephant 1:55
12. Abstract Thought 1:47
13. Imagination Land 1:25
14. Down in the Dumps 1:47
15. Dream Productions 1:43
16. Dream a Little Nightmare 1:50
17. The Subconscious Basement 2:01
18. Escaping the Subconscious 2:09
19. We Can Still Stop Her 2:54
20. Tears of Joy 2:39
21. Rainbow Flyer 2:58
22. Chasing Down Sadness 1:45
23. Joy Turns to Sadness / A Growing Personality 7:49
24. The Joy of Credits 8:18

Duração total: 58:43

Tiago Rangel

11 comentários sobre “Resenha de Trilha Sonora: INSIDE OUT – Michael Giacchino

  1. De todos os trabalho dele desse ano, esse foi o que menos me surpreendeu, ainda que vá acabar levando-o ao Oscar, e ainda que ele mereça ser indicado muito mais pelas trilhas de Jurassic World e, principalmente, Tomorrowland.

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  2. Num ano glorioso para o compositor, essa não é só minha favorita dele no ano, como minha favorita até o momento e, espero, realmente leve-o ao Oscar — que ele merece praticamente todo ano, mas agora ele irá com a ajuda de um filme maravilhoso. Os temas lindíssimos (o principal me deixou emocionado já na abertura do filme) acompanham impecavelmente a montanha-russa de emoções do filme, que vai do drama ao lúdico, do comovente ao engraçado de forma tão natural… Um arraso!

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