Na Trilha: Ouvindo STAR TREK – 1979 a 2002 (Parte 2)


Desde o seu início em 1966, a franquia Jornada nas Estrelas (Star Trek) deu origem a um variado e extenso material composto para a TV e o cinema, tendo a maior parte já sido lançada comercialmente e, em alguns casos, em várias edições. Neste artigo em duas partes, abordaremos apenas os scores compostos para os filmes de cinema, prévios à nova fase iniciada em 2009.

Leia a Parte 1

star_trek6Jornada nas Estrelas VI: A Terra Desconhecida (Cliff Eidelman, 1991, ****½) – Em 1981, quando o orçamento apertado de Wrath of Khan não permitiu a contratação de Jerry Goldsmith para compor a trilha, o diretor Nicholas Meyer resolveu apostar em um desconhecido, James Horner. O resto é história. Dez anos depois, quando Meyer retornou à franquia para dirigir The Undiscovered Country, lhe veio à mente a suíte de Gustav Holst “Os Planetas”, que já servira de inspiração a muitas trilhas de ficção-científica. Com Holst na cabeça, o diretor resolveu arriscar mais uma vez, dando uma chance ao novato e praticamente desconhecido Cliff Eidelman. O jovem compositor, além de Holst, também deu à sua música um toque de Stravinsky (“O Pássaro de Fogo”), e como resultado, recebemos a trilha mais sombria de Star Trek, e uma das melhores de toda a série (do mesmo modo que o filme em si).

Desde a abertura, a música é acompanhada por um sinistro coral masculino, que ao longo do filme ajuda a aprofundar o clima de mistério e conspiração. O ameaçador e urgente tema de seis notas, que representa os Klingons (e a Ave de Rapina capaz de disparar mesmo estando invisível), é muito eficaz, pois toda as vezes em que as seis notas iniciam seu ciclo, sabemos que os vilões estão ocultos, por perto. Aliás, o tema Klingon de Eidelman rompe totalmente com o padrão Goldsmith, e ainda assim encaixa-se perfeitamente na trama. Quando a Enterprise “solta as amarras”, o som é exuberante e melódico (como normalmente é em todas as cenas da série em que a nave sai das docas). A fuga de Rura Penthe é musicada de forma muito dramática, notadamente  durante as tomadas aéreas filmadas nas geleiras.

A música para a cena da batalha, já no final do filme, quando a Enterprise e a Excelsior enfrentam a Ave de Rapina de Chang, é continuamente impressionante. Aliás, talvez o melhor momento do filme seja quando Kirk cerra seu punho e finalmente ordena “Fogo” (quem não adora essa cena?) e a Ave de Rapina explode em pedacinhos (imagem reutilizada sem escrúpulos em Star Trek: Generations), acompanhada pela trilha sonora exuberante. E nos créditos finais, todos os grandes temas são perfeitamente combinados. Definitivamente, um trabalho que merece um maior reconhecimento não apenas entre as trilhas Trek, mas entre as trilhas sonoras de um modo geral.

star_trek7Jornada nas Estrelas: A Nova Geração (Dennis McCarthy, 1994, ***) – Espremido entre The Undiscovered Country e First Contact, este score ficou perdido na transitoriedade entre os filmes com o elenco da série clássica e os da nova geração. Foi a primeira (e a última) tentativa dos produtores em usar um compositor das séries de TV ao invés de um profissional eminentemente cinematográfico. O resultado é uma trilha que possui todos os elementos de um “ScoreTrek” – uma grande orquestra, a fanfarra do tema televisivo de Alexander Courage e um coral completo – mas ao mesmo tempo, mantém suas raízes na TV. A música escrita por McCarthy para os episódios da Next Generation obedecia a certas regras ditadas pelos produtores (que incluíam limitação temática e ênfase em ambientação, no lugar de faixas individuais marcantes). Por sua vez, sua música para Star Trek: Generations, em que pese sua maior variedade harmônica e temática, soa mais como  uma trilha de televisão expandida do que uma obra feita para o cinema.

Este é o sentimento que persiste, mesmo considerando que McCarthy empregou uma orquestra de 95 instrumentos e um coral. A música dos créditos iniciais é baixa e quase sem melodia, um contraste enorme com as barulhentas fanfarras que abençoaram as aberturas dos outros filmes. O final da faixa, contudo, apresenta um dos pontos altos deste trabalho. Enquanto a garrafa de champanhe se quebra no casco da recém-lançada Enterprise-B, McCarthy apresenta uma das mais provocantes versões do tema original de Courage. Outros bons momentos musicais são o emotivo encontro de Picard com a família que ele nunca teve, no interior do Nexus, e o final, quando a partitura empurra as naves da Federação para a velocidade de dobra.

star_trek8Jornada nas Estrelas: Primeiro Contato (Jerry Goldsmith & Joel Goldsmith, 1996, ****) – O score para o melhor filme com a tripulação da Nova Geração é muito apreciado, sendo fruto de uma bem sucedida parceria entre Jerry e seu filho Joel. Após o emprego de outros compositores nos dois longas anteriores, o diretor estreante Jonathan Frakes (também intérprete do Comandante Riker) insistiu no retorno de Goldsmith e dos seus motivos característicos. O tema de First Contact é lento, belo e sombrio, algo novo na série. Seu uso no final – quando os Vulcanos pousam na Terra – é fabuloso. O uso do tema Klingon nas aparições de Worf agradou em cheio aos entusiastas da música Trek.

Nos créditos finais, Goldsmith retorna ao tema de The Final Frontier, combinando a fanfarra de Courage com o tema de The Motion Picture, antes de passar aos de First Contact. Também há faixas metálicas e ameaçadoras para os invasores Borg, algumas compostas por Joel. E foi ele quem saiu prejudicado na edição original em CD, já que boa parte de sua música simplesmente ficou de fora do álbum. A perda maior era a faixa que acompanha toda a sequência do voo da espaçonave Phoenix, quase ao final do filme e que inclui o confronto entre Picard e a Rainha Borg. Simplesmente, e inexplicavelmente, um dos melhores momentos do score não estava no disco! Em troca, foram incluídos dois rocks clássicos, um de Steppenwolf e outro de Roy Orbison, facilmente disponíveis em CD. A grande música perdida de Joel Goldsmith, felizmente, foi disponibilizada na edição limitada da trilha sonora completa, lançada em 2012.

star_trek9Jornada nas Estrelas: Insurreição (Jerry Goldsmith, 1998, ***) – Este nono filme marcou mais um trabalho de Jerry Goldsmith, o mais prolífico compositor da franquia e que, à época, revelou um grande desgaste criativo (possivelmente reflexo das fraquezas do filme, um claro retrocesso em relação a First Contact). Contudo, tratando-se de Goldsmith, se procurarmos sempre encontraremos algo de valor em suas partituras, por mais fracas que sejam (aliás, nesta categoria existem muito poucas).

Neste trabalho, o destaque é o afetuoso tema de abertura, uma espécie de canção de ninar representando o povo B’aku e que dita o tom da partitura – em linhas gerais, mais romântica que as outras escritas pelo compositor para a série (de modo a refletir o interesse amoroso de Picard e a paisagem idílica do planeta). Goldsmith utiliza ou conhecido tema de The Motion Picture nos títulos finais, novamente em conjunção com o tema original da série clássica composto por Alexander Courage (que trabalhou por um bom tempo em parceria com ele na orquestração). Mesmo tendo méritos, é o trabalho menos inspirado de Goldsmith para Star Trek, e em nossa avaliação acabou empatando com The Search for Spock, de James Horner.

nemesisCDJornada nas Estrelas: Nêmesis (Jerry Goldsmith, 2002, ***½) – Divulgado desde o início de sua produção como a jornada final da Nova Geração, este décimo longa-metragem foi um fracasso de público e crítica que interrompeu o lançamento de novos filmes até o reboot de 2009, dirigido por J.J. Abrams. E com este trabalho Goldsmith, que faleceu em 2004, despediu-se de Jornada nas Estrelas nos deixando com saudades de outras partituras suas indiscutivelmente melhores que esta. Porque a característica maior deste sombrio score é basear-se na reutilização de temas que o compositor criara para outros longas da série. Há o agravante de não ter sido entregue nenhum novo tema de destaque, fato que não ocorreu nem mesmo no medíocre Insurreição.

A faixa de abertura inicia com a conhecida fanfarra de Alexander Courage (em uma interpretação mais intensa), seguida de um motivo de caráter militar, percussivo e ameaçador. Assim como o tema Klingon de The Motion Picture foi usado anteriormente pelo compositor como o motivo de Worf, ele agora utiliza o tema de The Final Frontier ouvido pela primeira vez em “The Barrier” (e melhor desenvolvido em “A Busy Man”), como a assinatura musical do androide Data e de sua réplica, B-4. De fato este tema já havia aparecido, em menor escala, em First Contact e Insurrection. Em “Ideals” temos o que mais se aproxima do tema principal do score, uma atraente e nostálgica melodia derivada do tema ouvido nos main titles. As coisas ficam mais movimentadas e interessantes a partir da metade do álbum. Considerada por muitos o ponto alto do score, “The Scorpion” lembra em seu início O Vingador do Futuro, onde a orquestra fornece uma interpretação vigorosa, e ao final o conhecido tema de The Motion Picture faz uma rara (e eficaz) aparição fora dos “End Titles”.

“Final Flight”, a composição de maior apelo dramático, é ouvida no passeio espacial de Data e durante o confronto final entre o capitão Picard e o vilão Shinzon. A trilha conclui com “A New Ending”, onde após ouvirmos trechos de “Blue Skies”, de Irving Berlin, temos a fanfarra de Courage e o tema de Goldsmith para The Motion Picture em versões mais lentas e, porque não dizer, épicas. Após, volta o motivo ouvido primeiramente em “Ideals”, que por ser uma melodia triste resulta em um encerramento pouco memorável para a partitura. Mas que, apesar dos pesares, ainda consegue sair-se melhor, no conjunto, que a de Insurrection. Foi a primeira trilha sonora de Star Trek também lançada no formato SACD (Super Audio CD).

Jorge Saldanha

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